30.8.13

Neuromarketing vs. Antropologia: a disputa pelas emoções

Héber Sales

Assim como o neuromarketing, a antropologia reconhece que grande parte das motivações de compra são subconscientes. Ela possui no entanto um foco bem determinado: busca entender como um certo tipo de conhecimento tácito - a cultura - molda as escolhas dos consumidores e, ao mesmo tempo, é moldado por elas.

O próprio neuromarketing concorda com a natureza subconsciente da cultura. Para Martin Lindstrom, talvez o mais apaixonado dos seus defensores, a mente irracional, muito forte nas decisões de compra, "está inundada por questões culturais arraigados em nossa tradição, criação [...]" (p. 25).

Entre esses dois campos há porém uma clara diferença de propósitos: enquanto o neuromarketing tenta enxergar como as diferentes partes do cérebro reagem às tais "questões culturais", a antropologia tenta identificar por meio da etnografia quais são essas questões.

A esse respeito, aliás, o livro de Lindstrom, intitulado A Lógica do Consumo, apresenta uma pesquisa exemplar, que ilustra muito bem o desencontro entre as duas abordagens.

Eleitores estadunidenses foram expostos a vídeos dos ataques terroristas de 11 de setembro ao World Trade Center enquanto seus cérebros eram varridos por aparelhos de ressonância magnética funcional. O resultado dos testes revelaram um aumento considerável da atividade na amígdalas cerebelares, uma pequena estrutura neurológica que governa, entre outras coisas, o medo e a ansiedade.

Com base nessa descoberta, Lindstrom conclui em seu livro que o placar da eleição presidencial de 2004 foi definido pelas emoções e não por escolhas racionais - a propaganda eleitoral de George W. Bush apelou para o medo dos eleitores e levou a melhor.

Curiosamente, os cientistas encarregados dessa pesquisa descobriram também que "republicanos e democratas reagiam de maneira diferente" às imagens do atentado: as amígdalas dos democratas se acendiam de modo muito mais intenso (p. 35).

Seria esta uma evidência de que a ideologia molda as nossas respostas emocionais? Lindstrom ignora a pergunta e perde uma boa oportunidade para aprofundar seu entendimento sobre a influência da cultura nas emoções.

Talvez lhe faltasse uma boa referência para situá-lo melhor nessa encruzilhada. Quem sabe este parágrafo do ensaio Transição para a Humanidade, do antropólogo Clifford Geertz, lhe orientasse melhor: 
"Sem o guia das imagens exteriorizadas, dos sentimentos falados no ritual, nos mitos e na arte, não saberíamos, de fato, como sentir. Tal como o próprio cérebro anterior desenvolvido, as idéias e as emoções são artefatos culturais do homem" (p. 6). 
O uso do medo na propaganda de George W. Bush dá mais no que pensar do que supõe Lindstrom. Embora o autor indique que o rastreamento das amígdalas cerebelares dos pesquisados foi determinante para a exploração do medo nos anúncios do candidato republicano, a escolha de tal estratégia foi influenciada também por considerações culturais.

Para entender isto, basta lembrar que, se os eleitores fossem em sua maioria muçulmanos radicais, não faria nenhum sentido usar as imagens do 11 de setembro para lhes causar medo.

Nesta situação, caso os publicitários fossem estrangeiros ou mesmo muçulmanos liberais, seria indispensável para eles ter em mãos uma boa etnografia, que lhes informasse quais signos representam o medo dentro do sistema de símbolos da comunidade-alvo.

Leia também: Para que serve a etnografia no marketing

Referências:

GEERTZ, Clifford. in O Papel da Cultura nas Ciências Sociais. Porto Alegre: Editorial Villa Martha, 1980.

LINDSTROM, Martin. A Lógica do Consumo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

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