14.12.12

Para que serve a etnografia no marketing

Não lembro de ter visto alguém definir tão bem o valor da etnografia para o marketing. O antropólogo Grant McCracken escreveu um parágrafo exemplar no livro Chief Culture Officer, o qual uso aqui como gancho para alguns conceitos e métodos de branding hipercultural (acompanhe os links).
Ao praticar a etnografia, queremos ver como as peças se encaixam. A vida das pessoas está repleta de descontinuidades e contradições, mas ainda há uma lógica conceitual e emocional envolvente que ajuda a lhes dar sentido. De fato, na maior parte do tempo, nossa vida parece irresistivelmente lógica, óbvia e inevitável. É função da etnografia compreender como e porque as concepções dessa vida caminham ou parecem caminhar juntas. É esse contexto envolvente que os bens e serviços devem honrar, acessar e estar em sintonia. E é justamente esse conceito envolvente que tantas vezes é desarticulado e desmembrado pelos métodos tradicionais de pesquisa. O conceito envolvente, o panorama geral, nos permite dizer: "Sim, essa inovação faz sentido para o consumidor". Ou: "Não, isso faz sentido no laboratório. Não fará sentido no lar".

9.12.12

A jornada do herói

Muitos semioticistas têm se dedicado a desvendar a estrutura profunda da narrativa, supondo haver um esquema universal subjacente às mais diversas histórias, desde contos folclóricos e mitos antigos até romances contemporâneos e roteiros de cinema.

Já usei neste blog uma dessas fórmulas, quando analisei um texto publicitário da Benetton. Agora quero apresentar aqui um outro modelo, que é muitas vezes ignorado pela semiótica oficial: o monomito de Joseph Campbell.

Talvez o autor não seja citado pelos estudiosos do ramo por não fazer parte da linhagem intelectual inaugurada por Saussure, que, através de Greimas, Barthes e outros, foi responsável pelo grande desenvolvimento da análise estrutural da narrativa a partir dos anos 1960.

Joseph Campbell era antropólogo e foi profundamente influenciado pela teoria psicanalítica de Jung. Nela, encontrou os instrumentos que lhe permitiram identificar, nos alicerces de contos, mitos e fábulas de vários povos, uma estrutura comum e recorrente, chamada por ele de monomito.


A jornada do herói mitológico

O monomito, percurso padrão da aventura mitológica do herói, seria em sua abordagem "uma magnificação da fórmula representada pelos rituais de passagem: separação-iniciação-retorno" (2007, p. 36).

Essas três etapas correspondem aos três atos da intriga heróica:
  1. afastamento do mundo cotidiano; 
  2. penetração em alguma fonte de poder; 
  3. retorno ao mundo que enriquece a vida dos seus semelhantes.
A segunda etapa da jornada consiste em uma aventura "numa região de prodígios sobrenaturais", onde o herói "encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva" (p. 36).



Discussão de modelos

O esquema de Campbell parece ser um caso específico do "modelo canônico da narrativa" (REUTER, 2007, p. 36), que reduz toda e qualquer história a um processo de transformação constituído por cinco etapas:
  1. estado inicial; 
  2. complicação ou força perturbadora; 
  3. dinâmica; 
  4. resolução ou força equilibradora; 
  5. estado final.
A originalidade do monomito em relação a esse esquema decorre da sua matriz junguiana. A "força perturbadora" corresponde nele a um chamado vindo das profundezas do inconsciente, o qual impele o herói a percorrer, "numa região de prodígios sobrenaturais", uma jornada de aprendizado e de provas que o libertará das suas fixações infantis e do seu apego ao ego. Ao final da aventura, ele retornará ao mundo cotidiano portando o "elixir" que restaurará, em um patamar superior, o equilíbrio rompido no início da aventura.

Esses elementos são figurativizados de forma um pouco diferente em cada um dos mitos, contos e fábulas analisados por Joseph Campbell. Podemos ter uma ideia mais clara do percurso observando no cartoon abaixo como as abstrações da jornada do herói adquirem formas bastante concretas em algumas histórias específicas.

A Jornada do Herói.


Psicanálise do herói

A trajetória do herói é, para Campbell, similar ao processo de cura psicanalítica. Segundo ele, o terapeuta assume atualmente um papel que foi, por muito tempo, exercido pelos portadores e guardiões da mitologia e dos ritos hoje ignorados.

Sem este auxílio, "mantemo-nos [hoje] ligados às imagens não exorcizadas da nossa infância, razão pela qual não nos inclinamos a fazer as passagens necessárias da nossa vida adulta" (p. 21-2).

"O psicanalista deve aparecer então para confirmar a sabedoria avançada dos mais antigos ensinamentos" (p. 22) e ajudar seus pacientes a "cruzarem difíceis limiares de transformação que requerem uma mudança de padrões, não apenas da vida consciente, como da inconsciente" (p. 20).


Referências


CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007.

REUTER, Yves. A análise da narrativa: o texto, a ficção e a narração. Rio de Janeiro: DIFEL, 2007.

29.11.12

Espertezas do branding vagaroso

Enquanto o mundo gira cada vez mais veloz, a Delayed Gratification, primeira revista de slow journalism do mundo, pede um pouco mais de paciência e dá uma boa lição de branding. A publicação está construindo uma sólida autoridade cultural de marca com base em quatro princípios.

Delayed Gratification, revista ícone do slow journalism.


Flanqueamento

O primeiro deles é uma estratégia clássica de posicionamento: flanquear as marcas líderes por meio do lançamento de uma nova categoria (slow journalism).

Em um era de information overload, a recomendação de Al Ries e Jack Trout* soa mais atual do que nunca: "é melhor ser o primeiro na mente do consumidor do que ser o melhor". Porque ser ou não ser o melhor é uma questão muito relativa, mas a mente sobrecarregada por dados, não: falta cabeça e tempo para memorizar tudo que pareça "mais do mesmo".

Na dúvida, se a diferença entre dois produtos é apenas de grau e não de categoria, o consumidor opta pelo pioneiro, pela coisa original (quem teria tempo para folhear mais uma revista de slow journalism depois de ler a "genial" Delayed Gratification?).


Franqueza

Admitir um defeito pode ser a melhor forma de se destacar. Não só porque isso nos surpreende e nos lembra imediatamente o ponto forte inerente à fraqueza ("se o jornalismo é mais lento, ele apura melhor os fatos"), mas também porque parece ser mais honesto. E como todos nós já sabemos, ser transparente, até mesmo ao ponto do "nu frontal", tem sido uma das tendências de branding mais críticas do nosso tempo.


Consistência

A primeira impressão é a que fica. O que ela realmente significa, porém, só o tempo vai dizer.

A identidade de uma marca, como qualquer outra ficção útil, adquire densidade na medida em que ganha contexto e é enfatizada pela recorrência de determinados temas, figuras e preferências. Tudo isso demora um bocado, exige acumulação minuciosa e bem sedimentada de muitas partículas semióticas.

É exatamente nesse ponto que o slow journalism e a comunicação de marca se tocam: branding vagaroso quer dizer que construir uma marca forte exige paciência de Jó, constância de propósitos e muita atenção, pois o que torna o mundo de uma marca mais vívido e convincente é justamente a riqueza de detalhes com que ela, a marca, narra as suas histórias (no branding hipercultural, tais histórias giram em torno de mitos de identidade)


O tao da cultura

O mito de identidade da Delayed Gratification está profundamente enraizado em um movimento cultural cada vez mais popular, que promove ideias como as do slow food, do cittaslow, do slow living, etc.

A revista é forte candidata a ícone cultural de uma sociedade que começa a encarar como privilégio o poder se desconectar do feed nervoso de informações e "curtir a vida lá fora" sem a preocupação de que está perdendo alguma coisa.

Há algumas décadas, assistimos a um fenômeno parecido quando surgiu o movimento verde e a onda de reconexão com a natureza: o apogeu da urbanização despertou em nós um desejo mais forte pelo seu oposto, a vida rural. Agora, um mundo cada vez mais veloz nos faz lembrar das maravilhas da paciência e da vagarosidade.

Aparentemente, os dois processos resultam de uma lei mais geral: na semiose infinita, assim como no tao te ching, um extremo costuma levar a outro. E vice-versa.


* Al Ries e Jack Trout são autores do clássico Posicionamento - a batalha pela sua mente.

27.11.12

Don't be evil, Google

"Don't be evil". Para muita gente, o slogan original do Google não vale mais nada. O gigante das buscas está perdendo sua aura de ícone cibercultural na medida em que aumenta a gritaria contra o seu sistema de rastreamento e personalização de buscas.

A sociedade alternativa da internet começa a eleger novos heróis. Um dos mais interessantes é a start-up DuckDuckGo, mecanismo de busca que promete não espionar as pesquisas dos usuários. Ele não gera resultados baseados em interesses prévios dos usuários, o que costuma inibir informação relevante. Também não enche as páginas com anúncios.

Gabriel Weinberg, criador do DuckDuckGo, desafia o Google.

A estratégia de Gabriel Weinberg, seu criador, é uma lição clássica de posicionamento de marca e marketing de guerrilha: "Meu ponto de partida foi procurar por aquilo que nós poderíamos fazer mas outras companhias não, devido ao seu gigantismo", disse ele ao The Washington Post. O seu foco logo tornou-se óbvio: "O que é bom para o negócio do Google é ruim para os usuários do Google".


Leia também: Tendências de marketing digital para 2013.

24.11.12

O papel dos eventos promocionais no branding

Histórias são a matéria-prima do branding hipercultural. Mais especificamente, as histórias sobre projetos de identidade celebrados pelos diferentes movimentos culturais.

Essa obsessão pela narrativa pode levar alguns a perguntar: e os eventos promocionais, qual o papel dessas experiências de marca em tal modelo de branding?

O questionamento só faz sentido se entendermos que o falar (contar uma história) é o oposto do fazer (participar de um evento promocional).

Ora, essa distinção deixa de ser pertinente a partir do momento em que encaramos os eventos promocionais como rituais que encenam o mito de identidade associado à marca.


O que é um ritual?

O ritual é uma "prática social realizada de acordo com regras fundamentais" (NEIVA JÚNIOR, 2009, p. 168). Ele é constituído de sequências ordenada e padronizadas de palavras e atos, possuindo um caráter essencialmente performativo e simbólico: valores são inferidos e criados pelos atores sociais durante a performance (TAMBIAH, 1985).

Para identificar os rituais de uma comunidade, precisamos apreender quais eventos os seus membros consideram únicos, excepcionais, críticos e diferentes.

Há rituais dos mais diferentes tipos e conteúdos. Eles podem ser profanos (carnaval), religiosos (quaresma), civis (eleição), festivos (reveillon), sérios (funeral), formais (casamento), informais (happy hour), simples (casual day) ou elaborados (rituais de iniciação).


Rituais de consumo

O mundo do consumo é cheio de rituais. Chá de bebê, amigo secreto, trocar presentes no Natal, lavar o carro sábado de manhã, ir ao cabeleiro sábado à tarde: todas essas práticas sociais são eventos únicos e previsíveis.

São simbólicos também, pois expressam significados (McCRACKEN, 2003). Vejam, por exemplo, neste post sobre análise semiótica em netnografias, quantas ideias o simples ritual do cafezinho pode comunicar.

A propósito, esse exercício etnográfico é um exemplo de que podemos ler uma prática social da mesma forma que lemos um texto estritamente linguístico como o desta publicidade da Benetton.

Do ponto de vista semiótico, portanto, não há muita diferença entre o falar (contar uma história) e o fazer (participar de um evento promocional). Subjacente a ambos os fenômenos, há uma máquina narrativa que constrói significados.


Rituais nas mídias sociais

No branding hipercultural, os eventos quase sempre envolvem as mídias sociais. Por isso, antes de abordarmos a natureza ritualística do marketing promocional, vamos discutir algumas peculiaridades dos rituais que ocorrem nesse meio.

Tradicionalmente, a antropologia tem visto o ritual como fenômeno que une os indivíduos à totalidade do grupo, igualando-os. Seria uma prática integradora portanto, na qual o sistema de regras inibiria quase totalmente a criatividade individual.

Neiva Júnior critica essa abordagem, lembrando-nos que, "ao se adequarem às regras, os indivíduos que participam das cerimônias exibem suas qualidade pessoais e valor social".
 "Presumir que um ritual é feito a princípio em benefício do grupo é mera idealização, mais próxima das hipóteses holísticas dos antropólogos do que da realidade dos atores sociais. Um ator social executa um ritual para estabelecer uma distinção entre ele e os outros membros do grupo. A participação no ritual dá prestígio [...]" (2009, p. 169). 
Esse modo de encarar o ritual pode ser relacionado ao circuito sedutor das redes sociais, processo cuja dinâmica já comentei aqui no blog. Em resumo, ele consiste no seguinte: por meio de suas atualizações de status, os usuários buscam  obter dos seus amigos a confirmação de que possuem uma identidade distinta, própria, e, ao mesmo tempo, culturalmente válida.

O #FF (Follow Friday) é um ritual no Twitter.

Consideremos, por exemplo, o ritual do #FF (Follow Friday) no Twitter. Há nele duas dimensões, uma coletiva e a outra individual. Alguns dos seus elementos são padronizados e adotados por todos: a própria hashtag, o dia em que ela deve ser usada (sexta-feira) e a substância do seu conteúdo (perfis que vale à pena seguir no Twitter). Cada usuário, no entanto, é relativamente livre para indicar o perfil que bem entender, o que lhe permite afirmar a sua individualidade e se distinguir de seus companheiros.


Rituais promocionais

Eventos promocionais possuem um natureza essencialmente ritualística. Encontramos neles todas aquelas caraterísticas que, segundo Mariza Peirano (2003), definem o ritual:
  • são eventos considerados especiais (não são rotineiros, cotidianos);
  • possuem uma forma específica (um certo grau de convencionalidade, de redundância, combinando palavras e outras ações etc.);
  • apontam e revelam as representações e os valores compartilhados pelos membros da rede social de marca;
  • permitem resolver conflitos e reproduzir relações sociais (por exemplo, eventos promocionais baseadas no ritual do amigo secreto).


Eventos promocionais no branding hipercultural

O que há de específico nos eventos de branding hipercultural, no entanto, é a celebração de um determinado mito de identidade pela marca, o qual também é promovido em anúncios, conteúdos, produtos e serviços - a isotopia ou recorrência do mito nas várias peças e experiências é necessária para construir a personalidade autoral da marca.

A Liga dos Bons no Facebook é um ritual de marca.

Observem, por exemplo, como a Coca-Cola enaltece o mundo dos bons não só no VT Existem razões para acreditar como também no livro "125 razões para acreditar em um mundo melhor", no aplicativo da Liga dos Bons no Facebook e no estúdio móvel que convida as pessoas a gravarem depoimentos sobre as coisas boas que lhes acontecem.

Estas experiências ajudam a tornar mais concreto e sensível o projeto de identidade social que a marca propõem aos indivíduos por meio das histórias que conta em seus anúncios e conteúdos - funcionam como encenações que tornam o mito mais "real".


Referências

McCRACKEN, Grant. Cultura e Consumo - Novas Abordagens ao Caráter Simbólico dos Bens e Atividades de Consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

NEIVA JUNIOR, Eduardo. Jogos de Comunicação: em busca dos fundamentos da cultura. São Paulo: Ática, 2009.

PEIRANO, Mariza. Rituais ontem e hoje. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

TAMBIAH, Stanley. A Performative Approach to Ritual, in Culture, Thought and Social Action. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1985.

22.11.12

Personalidade de marca nas mídias sociais


Personalidade de marca não é um conceito novo no branding. Nas mídias sociais, porém, ele ganhou uma nova dimensão, que o branding hipercultural desenvolve de um modo bastante peculiar.

Antes de qualquer coisa, conforme já discutimos aqui no blog, é preciso entender a marca como um autor virtual - a equipe de criação e especialmente o redator são seus ghost writers.


Identidade social de marca

Para que a marca-autor ganhe vida, porém, é preciso ir além e dar-lhe uma identidade social, ou seja, situá-la em relação aos estereótipos e papéis vigentes na sociedade em que atua.

Nessa etapa é indispensável ser coerente em relação à autoridade cultural da marca. Se ela faz sucesso por parecer "feminina", "adulta" e "maternal", o consumidor estranhará e ficará com um pé atrás caso seus posts no Facebook lembrem o jeito de falar de uma "adolescente happy-rocker" ou da "mulher do poder".

Além disso, no branding hipercultural, a identidade da marca-autor depende de sua inserção no movimento cultural que inspira as suas obras, sejam elas produtos, experiências, anúncios ou conteúdos nas mídias sociais, assunto que discutimos detalhadamente em dois posts anteriores: Mitos de identidade no branding hipercultural e Branding no mercado de mitos.


Arquétipos e Personalidade de Marca

Uma vez definida a identidade social da marca-autor, é hora de delinear seu perfil personalógico, o que, na prática, consiste em descrever as características que ela exibe em suas interações sociais: é espontânea e exuberante ou tem um jeito simples, objetivo e honesto? Seu humor é sarcástico e fino ou é mais inocente? Ela é controversa e desafiadora como a Benetton ou é mais "pé no chão" como a Levi's?

Pensar a personalidade da marca-autor em termos de arquétipos pode facilitar esse trabalho, além de associar a sua identidade a valores mais universais, o que lhe dá uma base mais global e duradoura.

O infográfico ao lado apresenta 12 arquétipos. É uma boa referência rápida. Para ir mais fundo, recomendo a leitura de dois livros: O Herói de Mil Faces, do Joseph Campbell, e A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler, que ensina como escrever roteiros para cinema com base na estrutura narrativa da jornada do herói proposta por Campbell.

Finalmente, uma lembrança. Não importa qual a personalidade da marca, se é mais ou menos amistosa, mais alegre ou séria: se ela está nas redes sociais, é para se socializar; deve saber ouvir e dialogar com seus seguidores e fãs. Mas sem perder a personalidade própria que a diferencia de outras marcas.

Leia também: Estratégia de conteúdo para mídias sociais.

18.11.12

Tendências de marketing digital

O eMarketer lançou um briefing sobre tendências do marketing digital para 2013. O cenário é norte-americano, mas serve de referência para discutirmos alguns números da internet brasileira e ficar de olho no que vem por aí.

  • Nos EUA, a Internet crescerá apenas 2,6% em 2013, com destaque para as categorias de Internet móvel (+18%), Vídeo online (+5,6%), E-commerce (+4,2%) e Redes Sociais (+4,1%).
  • A expansão do mercado de Games continuará forte, com os jogos para smartphones liderando o crescimento (+27,8%), seguidos pelos jogos em console (+9,7%) e pelos jogos sociais (+5,8%).
  • As plataformas campeãs de crescimento em 2013 serão os Tablets (+42,3%) e Smartphones (+18,8%). Os E-readers avançarão a taxas menores, mas bastante significativas (+11,7%).
  • O e-commerce também é destaque por aqui, com alta de 21% em um ano. Detalhe: o consumo de saúde, beleza e medicamentos já rivaliza com a compra de eletroeletrônicos, seguido de perto pela categoria de moda e acessórios. Segundo a Forrester Research, o faturamento deve dobrar até 2017.
  • Ao contrário do que ocorre no Brasil, o Twitter crescerá mais rapidamente por lá do que o Facebook (+14,2% contra +3,9% respectivamente), o que tem ajudado a alimentar o debate sobre a tendência de migração do Facebook para outras redes. As redes sociais ainda terão crescimento superior ao da internet como um todo (+4,2% contra +2,6% respectivamente).

17.11.12

Relevância de marca no Facebook

Depois de muita polêmica, o Facebook convocou a imprensa para esclarecer como a rede filtra os posts que nós lemos no feed.

Segundo a companhia, três critérios definem se um novo post de uma marca será exibido ou não para um determinado usuário.

Depende de:
  1. como o usuário reagiu aos posts da marca no passado; 
  2. se o usuário costuma interagir ou não com conteúdos similares; 
  3. como outros usuários do Facebook estão reagindo ao novo post, especialmente os amigos. 
Além disso, a rede vem tentando retirar do feed aqueles posts que têm jeitão de spam. Neste caso, nem adianta pagar ao Facebook para promover o conteúdo: o post inoportuno será barrado no feed mesmo assim. Pois é, a marca que não for relevante vai ficar cada vez mais invisível por ali.

Leia também: Estratégia de conteúdo para mídias sociais.

Branding da ostentação

Mapa da mina, a internet é onde vemos a cultura que não passa no rádio ou na TV (ainda?). Monitorando-a, encontramos pistas sobre novos mitos de identidade, matéria-prima do branding hipercultural.

O funk de ostentação não está em nenhuma das produções estilo periferia ou nova classe média da Globo, mas bomba no Youtube com sucessos como Onde eu chego paro tudo (20 milhões de views), Plaquê de cem (16 milhões de views), É o fluxo (2 milhões de views em pouco mais de um mês) e a Mulher do poder (quase 4 milhões de views desde junho).

O que há de peculiar no estilo? As letras são verdadeiros inventários de grifes e marcas de luxo. Konrad Dantas, o produtor por trás dos maiores sucessos, revela em uma matéria do jornal O Globo: "Acredito que registramos o cotidiano das ruas de São Paulo, muitos carros de luxo e joias já existiam nas comunidades da capital, o que fizemos foi retratar essa realidade e apresentar ao Brasil [...] É normal que as pessoas de todas as classes sociais tenham sonhos de consumo, o que move o capitalismo é exatamente isso".

Branding da ostentação: grifes e marcas de luxo fazem sucesso no funk.

O carnavalesco Joãozinho Trinta já dizia que quem gosta de lixo é intelectual de classe alta: "pobre gosta de luxo". Renato Meireles, do Data Popular, assina embaixo: "Quem disse que quem é da classe C gosta de tomar pinga e não whisky? Quem diz isso é a elite, a classe C quer falar que gosta de whisky sim, e não tem nada de errado nisso. É reflexo da melhora que o país teve, e brasileiro gosta de celebrar isso cantando".

O documentário Funk Ostentação dá uma aula sobre o assunto. Confiram.




Leia também: O branding da poderosa.

14.11.12

Tosco branding

O tosco é mesmo o novo cool? A pergunta feita pelo Blue Bus ao comentar o viral da David's Pizza faz sentido. Já escrevi sobre essa tendência aqui no blog. Primeiro, quando discuti a orkutização do branding. Depois, ao refletir sobre o texto publicitários nas redes sociais. Mais recentemente, retomei o assunto em dois posts: o cabaré e a orkutização da cultura e o meme e o branding hipercultural.


11.11.12

Identidade e religião no Brasil contemporâneo


Héber Sales

Observar o movimento em torno das religiões no Brasil revela muito sobre os rumos da nossa sociedade plural e misturada. Quem pratica branding hipercultural precisa ficar de olho nos muitos mitos de identidade derivados.

A homogeneidade sugerida pela categoria "evangélico", por exemplo, é uma ilusão. O termo coloca no mesmo balaio projetos tão díspares entre si quanto o blog Bonita Adventista, sobre quem já discutimos no post Branding no mercado de mitos, e o conservador "culto das princesas", que condena as "cachorras"por fazerem sexo fora do casamento.

Sarah Sheeva, ministra do culto das princesas.

Apesar das suas diferenças, há eventos que unem as várias correntes evangélicas. É o caso do filme Três Histórias, um Destino, celebrado nas redes sociais tanto pelos adeptos do missionário R.R. Soares quanto por membros de religiões protestantes mais tradicionais e "esclarecidas". Talvez isso ajude a explicar o fato da película ter estreado tão bem, com uma média de público por sala superior à do novo 007

O cinema brasileiro, aliás, tem funcionado como o altar de todos os santos. Maria, mãe do filho de Deus (2003), filme de viés católico estrelado pelo padre Marcelo Rossi, foi visto por 2,3 milhões de pessoas. Em 2010, dois blockbusters ajudaram a destacar o sucesso do espiritismo no Brasil: Chico Xavier e Nosso Lar.

O avanço desta doutrina no país é outro dado bastante sugestivo para quem estuda a construção de identidades no Brasil contemporâneo. Conforme explica o sociólogo Reginal Prandi, autor do livro Os Mortos e os Vivos, o caráter mais intelectualizado e a ambição científica do kardecismo têm seduzido a classe média mais bem instruída. Curiosamente, a religião atrai também segmentos menos favorecidos da população, que vão até o centro como "clientes" dos praticantes.

No andar de cima ainda, o filósofo Luiz Felipe Pondé observa a adesão da classe média alta paulistana ao que ele chama de "budismo light". O movimento seria uma tentativa - equivocada, segundo Pondé - de se livrar dos ritos e obrigações das religiões mais tradicionais, esforço que, a meu ver, não vem de hoje.

Basta lembrar que a figura do "católico não praticante" é tão antiga quanto os nossos avós e que algumas religiões evangélicas mais tradicionais relaxaram bastante as suas normas de comportamento a partir da segunda metade dos anos 80, período em que o Brasil passou por um processo de redemocratização - a caratice da ditadura parece ter retardado o avanço da revolução de costumes que varreu os Estados Unidos e a Europa nos anos 60.

Leia também: O branding da poderosa

10.11.12

O meme e o branding hipercultural

O meme foi o grande vencedor da eleição presidencial norte-americana. A análise é de Nathan Jungerson no excelente artigo Speaking in Memes. Alguns dos seus argumentos nos ajudam a entender melhor o papel dessas histórias virais no branding hipercultural.


O que é um meme

Em sua formulação original, o meme é definido como uma unidade cultural de natureza análoga à do gene. Hoje em dia também usamos o termo para identificar conteúdos e significados que são transmitidos de uma pessoa a outra até contaminar todo um corpo social. Veremos alguns exemplos ao longo deste post.


O meme como resistência

Na campanha presidencial norte-americana, nenhum marketeiro político conseguiu fabricar um meme intencionalmente. Para Jungerson, a explicação para isso é simples: os eleitores usam os memes para criticar e resistir ao discurso arrumadinho e pouco autêntico dos candidatos. Sua matéria-prima são as contradições e gafes presentes nas mensagens oficiais.

A foto abaixo, o maior ato falho da história dos EUA segundo o Kulture Kritic, é um bom exemplo do fenômeno. Até este momento, a imagem já foi compartilhada mais de 100.000 vezes por usuários do Facebook.

Família Romney comete ato falho e vira meme na internet.

O grande engajamento dos eleitores nessas brincadeiras e trolagens pode ser visto como uma crítica ao marketing de cima-para-baixo, processo de comunicação em que poucos de nós, receptores, temos alguma influência significativa.

Identificar um ato falho ou compartilhá-lo é para o cidadão uma forma de protestar contra campanhas que pretendem seduzi-lo com mensagens fabricadas demais, que ignoram o lado sujo, manipulador ou ridículo da política e fazem pouco caso do poder de escolha dos indivíduos.

Não é difícil imaginar a lição para outros tipos de marca: as mídias sociais podem se tornar poderosos espaços de resistência caso se ignore a opinião dos indivíduos e o seu desejo de terem voz ativa no processo. Elas são o espaço onde acontece o choque entre o marketing de cima-para-baixo e a comunicação de baixo-para-cima.


O meme como expressão de identidade

O meme pode ser visto como um ato de rejeição ao consumo passivo de campanhas e notícias massificadas. Ele não apenas promove uma contra-leitura das histórias oficiais como também, graças à sua espontaneidade, proporcionam uma experiência de autenticidade.

O ritual propõe um outro modelo de sociedade, no qual possa haver mais agência, mais personalização, mais escolha individual. Nesse sentido, os memes falam mais das pessoas que o compartilham do que de qualquer outra coisa: eles são declarações sobre nós mesmos, servem ao propósito de construir e manter as nossas próprias identidades.


O meme e o culto ao amador

O status de "coisa genuína" do meme é afirmado também pela estética do amador, um detalhe que escapou a Jungerson em seu artigo.

Curtir, comentar e compartilhar uma imagem ou desenho tosco e engraçado, produzido por gente como e a gente, é mais uma forma de contestar uma indústria cultural que ignora a criatividade dos receptores e dá pouco espaço para a afirmação pessoal de sua identidade.

O estilo é bem conhecido dos usuários do Facebook que espalham conteúdo criativo como o Não sou touchscreen. É uma boa piada, mas a sua graça tem muito a ver com o fato de que a peça poderia ter sido feito por uma pessoa qualquer.

"Não sou touchscreen" exemplifica a linguagem meme.


A estética do amador no branding

Algumas empresas veem nesse movimento uma oportunidade e se juntam a ele na expectativa de ampliar o alcance viral do seu conteúdo. A estratégia funciona também para comunicar que as marcas são "gente como a gente" e, com isso, ganhar a simpatia do público.

Esta peça do Sadia Hot Pocket, veiculada no Facebook, dificilmente seria publicada na mídia impressa, meio em que a linguagem estética (ainda?) é mais refinada e procura sinalizar um "trabalho de profissional", abordagem bastante coerente com imagem de alta performance que as marcas da era industrial cultivam.

Peça sobre o Sadia Hot Pocket usa linguagem meme.

Outro caso típico é o da imagem criada para divulgar o Amigo Secreto Solidário do Salvador Shopping. O estilo elegante da marca está presente na execução da peça, o que afirma um atributo fundamental de sua identidade, mas o discurso segue o padrão meme discutido acima.

Amigo Secreto Solidário do Salvador Shopping usa linguagem meme.

Na linha da marca que é "gente como a gente", o Spoleto talvez tenha sido o anunciante mais ousado até momento: produziu uma série de vídeos derivados de uma história que satirizava o seu serviço por ser exageradamente fast.

A estratégia está colocando o Spoleto em sintonia com o movimento meme e com o espírito do nosso tempo, tão contrário a tudo que parece suspeitamente certinho e perfeito demais. Por saber rir de si mesma e adotar o ponto de vista do consumidor de forma criativa, a marca tem se dado muito bem - os seus vídeos são um sucesso de audiência na web. Boa lição de branding para as empresas (e para os políticos também).

Leia ainda: A orkutização da cultura e do branding.

4.11.12

O branding da poderosa

"Quando vi que teria que ficar nua a minha primeira reação foi pensar: 'Nua? Ai, meu Deus! Socorro!'. Inicialmente eu fiquei tímida, mas a Jéssica tem uma coisa muito forte. Ela é um mulherão, um furacão. Gosto de chamar todas as atenções, todos os olhares. Ela chega a ser vulgar."
Ex-gari e passista de escola de samba, Ana Pérola, atriz escalada pela Globo para o papel de Jéssica, uma das protagonistas da série Subúrbia, expressou nesse depoimento o conflito que é um prato cheio para quem trabalha com branding hipercultural: a mulher da nova classe média ganha espaço no mercado, paga as suas próprias contas, mas ainda se sente presa a códigos morais que negam a livre expressão dos seus desejos e a submetem aos caprichos do homem. Há uma clara contradição entre o seu poder econômico e o seu poder sexual portanto.

Como resolver isso? Por meio de um novo mito de identidade.


MC Pocahontas, a mulher do poder.


A mulher do poder

A internet é um observatório privilegiado de novos mitos de identidade. Um posto avançado na fronteira da nossa cultura, de onde, graças à grande liberdade de expressão que caracteriza o meio, podemos observar o surgimento de novos discursos que desafiam padrões estabelecidos.

As MCs Beyonce e Pocahontas são exemplos disso. Em suas músicas, fenômenos no Youtube, elas exaltam a mulher poderosa, que faz o que quer e é cheia de ostentação. É um tipo oposto ao da mulher "recalcada", que sofre e prefere ficar calada.

"Se as mulheres se sustentam, elas podem fazer o que quiserem", argumenta a MC Beyonce em uma matéria do jornal O Globo. Pocahontas vai além, declarando guerra às amélias: "quando ostenta, [a mulher do poder] acaba chamando mais atenção e deixa para trás as recalcadas".


Dois tipos de mulher

Esse discurso aparece também nas canções brega-cult da Banda Uó. Mel Gonçalves, vocalista e co-autora de Nêga Samurai, elabora a ideia:
"Há dois tipos de mulher, a que sofre e prefere ficar calada e a que expõe o que está sentindo. Essa última é a mulher moderna, atual, a que vai conseguir vencer. As meninas estão se jogando mais. E o brega é a música do escracho, em que se assume o que se está sentido e se escreve de forma literal."




Lições de branding hipercultural

O movimento de liberação da mulher, muito ativo ao longo do século XX, especialmente a partir dos anos 60, vive hoje um outro momento, de maior ostentação sexual, e ocupa novos espaços. Destaca-se não só no funk e no brega-cult, mas também na música sertaneja de Camilla Castro, no samba do grupo Revelação, na marcha das vadias e até na SPFW com a moda piriguete chique.

Marcas ligadas ao público feminino não podem ignorar a discussão se quiserem continuar relevantes junto ao segmento. Precisam participar dela de alguma forma, contando histórias sobre a mulher poderosa ou propondo outros mitos de identidade que pareçam mais cativantes para seu público-alvo específico e sejam coerentes com a sua autoridade cultural.

3.11.12

O cabaré e a orkutização da cultura


Laura Neiva, Alice Braga e Thiago Pethit no clipe de Pas de Deux.

Mapear continuamente o mercado de mitos é uma tarefa crítica no branding hipercultural, e, muitas vezes, demorada demais (a próxima campanha não pode esperar).

Felizmente podemos contar com a ajuda de artistas como o Thiago Pethit, que têm um radar privilegiado e nos mostram os atalhos.

No caso do cantor paulista, o atalho é: o cabaré como metáfora da orkutização da cultura. Vejam só o que ele falou nesta entrevista ao Colherada Cultural, se não tem tudo a ver com o que observamos hoje em dia em mitos de identidade como o da piriquete chique:
"O cabaré talvez tenha sido a primeira grande expressão estética por juntar música, cinema, teatro. Uniu os mundos de ricos e pobres, moralistas e decadentes. Todo mundo se encontrava ali. [...] Um homem de família podia estar ao lado de uma travesti numa boa. A música erudita se encontrava com o mais tosco, com o burlesco. O cabaré é o reflexo estético desses encontros."

2.11.12

Estratégia de conteúdo para mídias sociais



Por que você acessa o Facebook? Certamente não é para ver propaganda e informes publicitários. Esse fato é ignorado por muitas marcas, o que limita o engajamento dos usuários e o alcance viral do conteúdo (mídia espontânea).

A principal atração nessa rede são os amigos, com quem gostamos de compartilhar nossos assuntos favoritos, geralmente ligados a entretenimento, estilo de vida, comportamento e notícias espetaculares.

Em outras redes, o papo pode variar dependendo das comunidades que frequentamos. Se você trabalha com marketing digital, provavelmente tuitará muito sobre isso e até participará de grupos profissionais especializados no LinkedIn e no Facebook.

De qualquer modo, a conversa não gira em torno do que é importante para as marcas, mas para você. Eventualmente há interesses compartilhados entre as duas partes. E é aí que devemos atuar.


Buscando por valores compartilhados

O nosso ponto de partida é o ponto de vista do consumidor: o público precisa se identificar com a nossa história, sentir que ela fala de algo importante que ele vive também, que trata de uma escolha ou conflito central em sua vida.

Notem, procuramos por uma história que as pessoas queiram compartilhar porque é a cara delas (ou a cara que gostariam de ter).

Uma história que as ajude a expressar e entender melhor os seus desejos e conflitos (e às vezes relaxar um pouco, rindo deles).

Uma história que também aponte uma saída para tais conflitos.

E que sirva de mote para uma série de histórias, pois, como veremos a seguir, uma grande marca, assim como um grande autor, distingue-se pelo conjunto da sua obra.


Uma questão de metodologia

Na abordagem de branding hipercultural, procuramos por um tipo de história específico, um mito de identidade que a marca tenha autoridade cultural para contar.

É um enredo bem diferente daquele conteúdo auto-promocional e chapa-branca que ainda vemos nas mídias sociais.

Talvez a persistência dessas mensagens sem graça ocorra porque alguns profissionais ainda não notaram que há muitas outras estratégias de persuasão além das que tratam explicitamente dos valores utilitários de uma oferta, do seu preço e da sua relação custo/benefício.


Marcas com personalidade

Há também quem reconheça a importância de abordar o aspecto aspiracional e lúdico do consumo, mas, ao fazê-lo, se perde ao recorrer a um "gancho" qualquer, desde que esteja à mão e prometa muitos "curtir".

Uma marca não pode falar de qualquer assunto só para agradar, não pode ser uma maria-vai-com-as-outras: quem faz isso é gente sem personalidade. E sem graça.


A marca como autor virtual

Para conquistar autoridade cultural, uma marca, como um bom autor virtual, precisa ter voz própria e se especializar em certos temas.

Não é muito diferente do que acontece aos bons diretores de cinema ou escritores - nós sabemos muito bem a quem recorrer quando queremos ver uma comédia de costumes inteligente (Woody Allen) ou ler poemas tão afiados quanto uma faca só lâmina (João Cabral de Melo Neto).


Leia também: Personalidade de marca nas mídias sociais

1.11.12

Comunidades em rede

Redes podem não ser tão alheias às comunidades quanto considera Zygmunt Baumam. Sua visão talvez precise de um olhar mais microsociológico.

A escolha de se conectar ou não a certas pessoas, que, na rede, seria bastante livre, é, em várias situações, fortemente influenciada pelo pertencimento do indivíduo a uma comunidade. 

A comunidade profissional, por exemplo, geralmente nos precede e também molda as nossas conexões nas redes sociais on-line: para nos integrarmos melhor à ela, adicionamos às nossas listas de contato muitos profissionais do nosso ramo.

Por outro lado, mesmo em comunidades do mundo físico, podemos observar o atributo essencial de uma rede (nos termos de Bauman): a relativa liberdade para nos conectarmos ou não a outros indivíduos.

Essa é uma condição típica da sociabilidade no ocidente moderno - podermos fazer amigos fora da tribo à qual pertencemos e transitar por várias comunidades ao mesmo tempo.

Redes sociais on-line talvez sejam apenas a mais nova versão de uma sociedade que desde o século XVI tem incentivado os seus membros a construirem projetos de vida particulares sem temer tanto a tradição.

28.10.12

A arte de viver em rede

A comunidade nos precede. Para fazer parte dela, precisamos acatar as suas regras de funcionamento e, uma vez aceitos como membros, deixá-la pode custar muito caro.

Na rede, a vida parece mais fácil. Deletar um amigo virtual não é tão traumático e constrangedor quanto se livrar de uma amizade no mundo real.

Daí Zygmunt Bauman dizer que "o maior atrativo do Facebook é a facilidade para se desconectar [das pessoas]" (veja entrevista ao final deste post).

Para ele, a rede, ao contrário da comunidade, sucede ao indivíduo: ela nasce da nossa escolha de nos conectarmos ou não a determinados usuários de uma plataforma social.

A facilidade para se desconectar tem um custo porém. Segundo Bauman, vivemos hoje uma sociabilidade que proporciona muita liberdade mas pouca segurança.

Nos últimos cem anos, teríamos ido de um extremo a outro, já que, até o começo do século XX, fazer parte de uma comunidade significava para os indivíduos abrir mão de muito desejos pessoais para se enquadrar em uma ordem grupal que dava bastante segurança mas pouca liberdade aos seus membros.

A condição pós-moderna, tão favorável às ambições individuais, é, no entanto, de uma insegurança ontológica insustentável, argumenta Anthony Giddens no livro Modernity and Self Identity.

Bauman está de acordo. Para ele, a liberdade está nos cobrando um preço alto demais e alguns de nós já estamos dispostos a abrir mão de uma parte dela em troca de mais segurança - movimento que só tenderia a aumentar nos próximos anos.

Qual seria o ponto de equilíbrio? Cada um vai ter que encontrar o seu, responde o sociólogo polonês. Eis a arte de viver em rede.

Leia também: O paradoxo da privacidade on-line.



21.10.12

Branding no mercado de mitos

Como manter uma velha marca sempre jovem? Pegando carona em novos mitos de identidade que consigam expressar de modo contagiante os valores de base associados à marca.

Discutimos isso no post anterior. Faltou comentar como encontrar tais mitos. É simples: fique de olho em novos movimentos sociais.

E não apenas naqueles de caráter claramente político. Qualquer grupo que ouse assumir um nome próprio nos interessa: nerds, hipsters, blogueiros, funkeiros, pagodeiros, as vadias, crossdressers, emos, punks, hippies, etc.   

Todos esses movimentos importam porque propõem, cada uma à sua maneira, uma tomada de posição dos indivíduos diante de certos conflitos socioculturais.

Na marcha das vadias, o mito de identidade proposto para as "vadias" é resumido no mote "nem santa, nem puta: mulher!". Ótima referência para uma marca como a Devassa, que prega: "todo mundo tem seu lado devasso" (muito melhor do que a Sandy).

Mote da Marcha das Vadias resume um mito de identidade.

Há mitos de identidade no mundo profissional também. É o caso dos "sevirologistas" do itsNOON, manifestação particular de um movimento mais amplo que mistura a ética do open source, do colaborativismo e da co-criação à cultura do empreendedorismo.

Movimentos sociais podem surgir dentro de círculos sociais tão restritos quanto o de uma religião. É o caso da Bonita Adventista, fan page que reúne garotas cristãs ligadas em moda, beleza e bem-estar.

O que há de comum em todas essas iniciativas? Os seus adeptos tentam resolver determinadas contradições socioculturais por meio de um novo modo de ser no mundo.

A "bonita adventista", por exemplo, acredita que pode ser bela e atraente sem ser vulgar. A "vadia", por sua vez, quer viver sua sexualidade mais livremente sem que por isso seja rotulada como uma puta.

Dificilmente veríamos uma "bonita adventista" na marcha das vadias, mas elas têm algo em comum: são movimentos que lutam pela liberdade da mulher em um mundo no qual a tão falada igualdade entre os sexos é mais real na lei do que nos costumes.

Como podemos ver nesses exemplos, as grandes contradições de uma sociedade podem estimular soluções existenciais que variam de acordo com a cultura de cada grupo social.

O branding hipercultural sugere que a marca escolha dentre tais soluções aquele mito de identidade que tenha mais a ver com a autoridade cultural dela, encenando-o não só em suas campanhas como também em cada um dos demais elementos do marketing mix, inclusive em seu conteúdo nas mídias sociais.

É assim que uma marca de sucesso consegue se renovar e ao mesmo tempo fortalecer uma identidade que já está bem estabelecida. 

Leia também: Mitos de identidade no branding hipercultural.

20.10.12

Mitos de identidade no branding hipercultural

O trabalho do branding hipercultural consiste em criar histórias que se transformem em poderosos mitos de identidade.


O segredo do branding hipercultural

Mitos de identidade viralizam muito mais. A Nike que o diga. A campanha Find your greatness foi um sucesso nas mídias sociais.

Seu segredo? Propor uma saída para quem vive uma forte contradição existencial: por um lado, a nossa sociedade cultua "o grande" e despreza "o mediano" e "o perdedor"; por outro, oferece poucas oportunidades para as pessoas chegarem ao topo do pódio. 

Quando uma marca conta uma história como a da Nike, ela tende a se tornar um ícone cultural - símbolo de um estilo de vida empolgante, que expressa uma identidade altamente desejável.

Não é em torno disso que giram as mídias sociais?


Escolhendo o mito de identidade

Como escolher o mito de identidade mais adequado à uma marca? Depende da sua autoridade cultural.

Depende também do mercado de mitos. No post anterior, comentei como a Devassa poderia ter se dado bem melhor se assumisse o discurso de movimentos culturais como a marcha das vadias.

O nosso desafio é encontrar entre os novos mitos em circulação na sociedade uma história que:
  1. a marca tenha "moral" para contar;
  2. transforme-se em um mito de identidade junto aos públicos da marca.

O dilema da marca que evolui

A necessidade de falar de mitos de identidade atuais pode estressar marcas bem estabelecidas, que estão acostumadas a recontar, com leves variações, aquela velha história.

A repetição é necessária, pois, se não houver consistência e unidade na comunicação ao longo do tempo, uma marca não constrói sua própria identidade.

Mas também é preciso acompanhar as mudanças do gosto popular e abordar os temas quentes do momento.

A sociedade está em permanente evolução e há sempre novas questões a respeito dos quais as marcas precisam se posicionar para continuarem a ser relevantes.

Como resolver esse dilema? Como contar histórias sintonizadas com os novos tempos sem perder a identidade de marca?


Atualizando o mito de identidade

Esse é um falso dilema, que só ocorre a quem trabalha a narrativa em um nível muito superficial. A estrutura profunda de uma história muda muito pouco. Ela geralmente está relacionada a um conflito interminável entre valores fundamentais.

No fundo, a campanha Find your greatness não é apenas um outro modo de falar Just do it?

A Benetton é um outro exemplo. A marca, que em uma campanha recente usou o mote unhate, vem abordando há muito tempo em suas histórias um choque de valores tão antigo quanto a humanidade: tolerância/amor vs. intolerância/ódio.

Os melhores mitos de identidade são assim. Eles tem um núcleo que não envelhece, um núcleo que consiste em uma contrariedade profunda, a qual, como explica Vogler no livro A Jornada do Escritor, pode ser relacionada a arquétipos que estão sempre presentes nas histórias que nos inspiram.

Leia também: Ficções úteis no branding.


17.10.12

Autoridade cultural de marca nas mídias sociais

O branding hipercultural possui um outro dicionário. Alguns conceitos clássicos são revistos e, em alguns casos, ampliados ou corrigidos. É o que acontece a uma palavrinha muito badalada no marketing: posicionamento.


Os limites do Posicionamento de marca

Que uma marca se constrói por meio de diferenciação semântica, eu não tenho dúvidas (para ser mais exato, por oposição semântica).

A H2O, por exemplo, lançou uma nova categoria de produtos posicionando-se como uma bebida "leve" em oposição ao refrigerante "pesado", que engorda e faz mal à saúde.

Em sua origem, no entanto, a noção de posicionamento, conforme lançada por Al Ries e Jack Trout, enfatiza muito pouco um fato elementar: oposições semânticas são fenômenos culturais e não apenas cognitivos.

O "leve" da H2O faz mais sentido no mundo atual porque, culturalmente, os refrigerantes tradicionais passaram a ser vistos como algo nocivo à saúde.

Nem sempre foi assim. A perda de prestígio da categoria aconteceu na medida em que a nossa sociedade passou a enxergar a saúde de outra maneira, associando-a a um perfil mais atlético e enxuto.

A mania começou nos anos 1970. Na década seguinte, o Brasil assistiu o boom das academias e da geração saúde.

Antes disso, o lançamento de uma "água gaseificada com sabor de fruta" repercutiria muito pouco. Talvez fosse até um fracasso, pois a sociedade não valorizava o estilo de vida celebrado pela H2O hoje.


Uma questão de percepção e autoridade cultural

Uma das premissas mais interessantes do conceito de posicionamento é insistentemente repetida pelos seus autores: mudar a percepção das pessoas é uma missão (quase) impossível.

De fato, é mais fácil lucrar com uma nova categoria de refrigerantes que não use esse nome, "refrigerante", do que ter sucesso com um refrigerante light que estampe o nome Coca-Cola ou Pepsi-Cola em seu rótulo.

A fama de bebida nociva está tão associada a essas marcas que logo alguém acharia um outro mal que o líquido poderia carregar. De fato, todos nós já ouvimos falar algo do tipo: "não engorda, mas a sua química causa tais e tais doenças".

Pois é, a Pepsi fez muito bem em usar outro nome (H2O) ao lançar uma nova categoria de bebida refrigerante refrescante, já que a marca Pepsi não tem autoridade cultural para falar de coisas saudáveis.


Como construir a autoridade cultural de marca

Uma marca adquire autoridade cultural por meio de sua identificação com determinados padrões culturais.

A H2O fez isso de várias maneiras. Há uma recorrência de elementos culturalmente associados à noção de uma bebida "leve", a começar pelo nome e as cores da embalagem.

Ao ser lançada como "água", a bebida diferenciou-se de um líquido industrial, cheio de corantes, estabilizantes e outros elementos artificiais (a H2O é o "natural" em oposição ao "artificial").

Mais uma vez: tal posicionamento não funcionaria tão bem nos anos 1950, por exemplo, onde bacana era ser "artificial" como os Jetsons.


Como destruir a autoridade cultural de marca

Outro exemplo bem instrutivo é o da cerveja Devassa. Sua mensagem central, "todo mundo tem seu lado devasso", tem tudo a ver com movimentos culturais bastante festejados hoje em dia pela imprensa (a marcha das vadias por exemplo).

A marca poderia ter se transformado em um ícone da contra-cultura, um All Star das cervejas, mas falhou em um ponto crucial: faltou-lhe autenticidade.

A começar pela escolha de Sandy como garota propaganda. A ideia dela assumir seu lado devasso não colou pelo simples fato de que ela não o assumiu.

Os amadores trataram de descontruir a farsa. Pipocaram paródias no Youtube e o buzz em outras mídias sociais também foi forte. Em resumo, a maioria dos comentários criticava e "trolava" a falta de jeito da Sandy para o papel.

A própria cantora teria confessado, depois de ter gravado o comercial, que não gosta de cerveja.

Assim fica difícil construir uma marca-ícone!

Se por um lado, a Devassa ganhou pontos em consciência de marca, um fator muito importante para criação de valor de marca, por outro ela falhou no quesito associações de marca.

O saldo não foi tão bom quanto poderia ser - bom mesmo seria se tornar muito conhecida pelas suas qualidades e não por ter virado uma piada popular, não é?


Autoridade cultural de marca na era das mídias sociais

Hoje em dia está muito mais difícil adquirir autoridade cultural de marca, pois a vigilância e a crítica social é muito mais intensa.

O discurso de uma marca pode ser descontruído de uma hora para outra por um viral produzido no quarto de uma adolescente hiperconetado.

Por isso, antes de definir a linha editorial de um blog ou de uma fan page, é indispensável analisar o buzz em torno da marca e verificar, do ponto de vista do consumidor, os assuntos sobre os quais ela tem autoridade cultural.


O caso da Le biscuit nas mídias sociais

Os comentários sobre a Le biscuit, por exemplo, revelam que, na cabeça dos consumidores, a marca está associada à experiência de criar você mesmo algo que expresse seu carinho e amor pelas pessoas queridas.

Este depoimento ilustra bem como a maioria das clientes veem a marca:
"Como eu adoro mimar minha casinha e, principalmente, minha cozinha, não podia deixar de agradá-la. Comprei umas pestiqueiras lindinhas na Le Biscuit do Salvador Shopping. Essa loja é a the best para essas coisinhas de casa. Ói que graça" (comentário de uma mulher em foto publicada por ela no Facebook).
A palavra-chave aí é mimar. Eis o motivo que leva muitas pessoas às lojas da marca. É o lugar favorito de quem precisa dar um toque pessoal a um presente, a uma festa ou à decoração da sua casa.

Mais do que isso: a marca é vista como uma amiga que nos acompanha nas compras e nos ajuda a escolher o melhor. "Para milhões de momentos, lembro da Le Biscuit... Tenho a Le Biscuit como parceira em minha vida seja qual for o momento que compartilho", declara uma cliente.

Os homens reconhecem o apego de suas namoradas e esposas para com a marca. "Acabei de descobrir o habitat natural de minha esposa. Le Biscuit. A loira tá mais feliz do que pinto no lixo", comenta o marido surpreso.

O motivo de tanta alegria é evidente em vários blogs femininos. Via de regra, são textos com comentários sobre como, com achados na Le Biscuit, a autora conseguiu criar e produzir objetos muito expressivos.

"Essa caixinha eu comprei na Le Biscuit e o pacotinho com 10 não chegou a R$ 8,00. Foi só colocar um lacinho e olha como ficou fofa. Quando juntarmos todas rosas e azuis na mesa vai dar um efeito lindo", vibra a blogueira ao comentar a produção fotografada.

Experiências do tipo são relatadas frequentemente na internet, sempre com entusiasmo. Afinal de contas, poucas coisas empolgam mais os nativos da cultura do consumo pós-moderno do que poder se expressar criativamente e comunicar seu gosto individual.

Mais sintonizada com essa tendência do que os demais players do setor, a Le Biscuit esbanja competitividade onde mais interessa: na mente das pessoas. "Comprei na Le Biscuit", comenta um internauta sobre palitos de silicone coloridos, "que é tipo uma Americanas, só que mil vezes melhor!".


Consciente da autoridade cultural que o público lhe atribui, a marca vem explorando o tema no conteúdo produzido para mídias sociais. Vejam, por exemplo, estas dicas para montar seu próprio Angry Birds com materiais reciclados.

A Le biscuit tem a matéria-prima necessária para se tornar uma marca-ícone. Agora precisa dar um passo adiante e construir uma forte rede social de marca. Neste artigo, explico em detalhes como funciona a abordagem. Quem trabalha desenvolvendo estratégias para mídias sociais não pode deixar de ler.

13.10.12

Branding hipercultural


Héber Sales

A hipercultura exige novas abordagens de branding. E o desafio é dobrado para marcas retardatárias, que ainda sofrem de miopia cultural.


Miopia de branding


Primeiro, elas precisam desembaçar a visão para enxergar que as pessoas não consomem as coisas por sua utilidade prática apenas, mas, principalmente, pelo que lhes trazem de significado.

Se não fosse por isso, todos nós andaríamos por aí com o mesmo calçado superconfortável à prova de pregos e cacos de vidro.

Mas não. Neste exato momento muitas meninas estão usando sandálias da Monster High e os roqueiros, seu All Star azul de cano alto.


Branding hipercultural


Depois de tratar a miopia de branding, é preciso dar um salto firme para dentro do mundo virtual e mergulhar na hipercultura (espaço-tempo da utopia em que mal se vê a diferença entre o real e o imaginário).

Hiper também pelo "tudo ao mesmo tempo agora". Na nova comunicação de massa, o receptor confunde-se com o emissor e o feedback vira transmissão com DNA viral.

As marcas precisam ser boas de papo e de colaboração. E sem fazer aquele tipo gentil demais, que concorda com todo mundo só para se enturmar, pois as pessoas querem ser surpreendidas por boas sacadas e histórias inusitadas.


A marca como autor virtual


Vamos dar um pouco mais de atenção a isso. A marca hipercultural é um tipo muito particular de narrador: é um autor virtual cujas histórias inspiram e orientam as pessoas em sua busca de sentido.

A frase pode ter soado quase religiosa. Talvez você tenha pensado em uma marca messiânica. Não se engane. Como naquelas propagandas de uma certa cerveja, a busca pode ser algo tão mundano quanto aceitar que é ok viver seu lado devasso.

Às vezes, a causa é nobre, como nesta campanha de uma feira de adoção.

Por que a imagem foi tão compartilhada? Porque, passando-a adiante para os seus contatos, as pessoas puderam sentir um pouco da solidariedade que tantas vezes nos falta no mundo individualista em que vivemos.

Ao participar dessa história, elas mostraram para seus amigos (e para si mesmas) no que acreditam. Aderindo ao ritual do compartilhamento, comunicaram também que tipo de gente elas são.

No circuito sedutor das redes sociais, curtir e compartilhar são meios de:

  • concordar com um certo modo de ver as coisas;
  • se ligar às pessoas, marcas e conteúdos que "são a sua cara".

A marca capaz de contar tais mitos de identidade de uma forma original e inspiradora torna-se um ícone. E como nós já discutimos aqui, é isso o que lhes garante um mais alto valor de marca.


Daltonismo cultural


A abordagem do branding hipercultural exige muita sensibilidade social de quem a pratica.

Como todo bom autor, a marca-ícone possui antenas super sensíveis para detectar questões existenciais contemporâneas que clamam por novos mitos de identidade.

Monitorar e analisar o buzz nas redes sociais ajuda muito, mas é preciso saber o que procurar em uma netnografia. O método serve para responder a muitos problemas de pesquisa.

Na nossa abordagem de branding, o objetivo, porém, é bastante específico: mapeamos as tensões sociais emergentes e os novos mitos de identidade que são elaborados como respostas a elas (a marcha das vadias é um exemplo).

Qual desses mitos tem mais a ver com a autoridade cultural da marca? Eis a pergunta de zilhões de dólares. Porque uma marca, assim como um amigo desejável, não pode se passar por quem não é. Os consumidores veriam logo que se trata de falsidade ideológica e a rejeitariam por não soar autêntica e verdadeira.

Infelizmente, esse trabalho de análise e monitoramento é muitas vezes desenvolvido sem a devida compreensão sobre a vida social das marcas.

Para quem sofre do mal, não há ferramenta que ajude - é como esperar que um daltônico olhe para o céu e consiga enxergar todas as cores de um arco-íris.


Leia também: Modelos de branding.

12.10.12

Notas sobre a hipercultura

O conceito de hipercultura anda mal arrumado. Há muita gente metendo a mão nele e a sua construção vai subindo meio torta, meio babel, com cada qual seguindo um dicionário diferente. Tentarei aqui desconstruir, por meio de notas rapidíssimas, alguns tijolos desalinhados.

  • Para Bruno de Souza, doutor em psicologia com uma tese sobre o assunto, a hipercultura é uma nova forma de mediação que passa a incluir entre "os seus mecanismos externos [...] os dispositivos computacionais e seus impactos culturais, enquanto que os mecanismos internos incluem as competências necessárias para o uso eficaz de tais mecanismos externos" (p. 85).

  • O doutor fala de "novas formas de pensamento" e de "um salto evolucionário em desempenho cognitivo" (p. 5).

  • Mais, afirma que as mudanças culturais produzidas pelo uso dos computadores e da internet constituem um fenômeno que difere dramaticamente daquilo que entendemos por cultura.

  • Bem, só se for do que ele entende, pois, do ponto de vista antropológico e semiótico, nossa vida virtual constitui o clímax de uma longa história de conquista da natureza pela cultura: observamos agora uma inflação simbólica sem precedentes.

  • De certo modo, vivemos na matrix desde que começamos a criar artefatos que a mãe terra não nos dá gratuitamente de forma pronta e acabada.

  • Se hoje podemos falar de hipercultura é porque estamos migrando de mala e cuia para um espaço que, ao contrário do ambiente natural, atende aos caprichos da nossa imaginação com extrema docilidade.

  • Nesse sentido, Baudrillard foi mais feliz do que o Bruno de Souza quando nesta entrevista caracterizou a hipercultura como "o espaço-tempo da utopia" que faz desaparecer a fronteira entre o real e o imaginário.

  • Só não posso concordar com o filósofo francês quando ele afirma que a hipercultura "corrói a identidade cultural" porque não dá mais o devido espaço para a distância, a diferença e a alteridade (p. 522).

  • Não preciso ir muito longe em meu contra-argumento. Basta olhar as diferentes tribos que habitam meu feed no Facebook para me convencer de que a internet pode muito bem reforçar distinções culturais. Numa hora, vejo alguns compartilhando textos em defesa do poliamor e da liberação sexual da mulher; noutra, alguém falando sobre a importância de se manter virgem até o casamento e fiel ao cônjuge até que a morte os separe.

  • E o que tem a ver os meus amigos da sociedade alternativa que convocam via Facebook a marcha da maconha com as mães que colocam os seus filhos naquela escola mais conservadora - onde um kit anti-homofobia não passa nem perto da porta - e postam de acordo?

  • Não, a hipercultura não é o fim, mas a terra prometida da identidade cultural, mesmo que em certos momentos se observe uma uniformidade de práticas (lembremos da onipresença do "curtir" neste momento de boom do Facebook no Brasil).

  • A cultura da era da informação é hiper também por causa do "tudo ao mesmo tempo agora". Estamos sempre a um clique ou retweet da tribo mais distante. Talvez por isso Baudrillard tenha falado da erosão da distância necessária para que a diferença cultural exista.

  • Não rejeito totalmente o argumento, mas questiono: qual a mínima distância necessária? Precisa ser física? Não pode ser apenas a distância de uma ideia?

  • Ainda na linha do "tudo ao mesmo tempo agora", o mundo da moda já captou o espírito da coisa e o portal de tendências WGSN decretou que a hipercultura é cool: "múltiplas origens e influências tomam o lugar de culturas singulares". "Uma revolução estética acontece com a costura de raízes culturais [e] a rede global conecta uma nova geração de artistas, designers e pensadores acelerando a evolução cultural", podemos ler no vídeo abaixo.

  • Maravilha. E até onde vai nos levar tal evolução? Essa é fácil: até a elaboração de novas diferenças que dialogam com antigas referências. Querem um exemplo dos efeitos evolucionários da conexão global dos criativos? Leiam o artigo sobre uma grande novidade na cena artística brasileira: a estética do frio desenvolvida em Pelotas por brasileiros globalizados anti-tropicalistas (sic).