13.3.11

O circuito sedutor nas redes sociais

Leio todo tipo de mensagem nas redes sociais. Algumas são essencialmente referenciais (informam-nos sobre os objetos e os acontecimentos do mundo); outras, mais poéticas, não se preocupam tanto em transmitir significado quanto em elaborar criativamente a forma do texto. Há mensagens cujo objetivo principal é nos induzir a adotar determinada atitude ou a realizar uma ação, como também há posts bastante emotivos, nos quais o foco está na expressão dos sentimentos e da identidade do emissor.  

Apesar de tal diversidade, percebo na maioria dessas mensagens um forte componente de sedução - especialmente naquelas que circulam nas timelines do Facebook e do novo Orkut. A coisa acontece de forma muito semelhante ao circuito sedutor descrito por Ugo Volli em sua análise do texto publicitário (nela, o autor refere-se à comunicação de marca; aqui, comento a comunicação inter-pessoal).

Nas redes sociais, o usuário realiza um contato a fim de enviar uma mensagem para os seus amigos on-line; mas esta mensagem consiste quase sempre no contato em si: é destinada a produzir visibilidade ao emissor, com o qual os amigos são convidados, por sua vez, a entrar em contato, seja através de um "comentário" ou de um "curtir". Se o fizerem, poderão assemelhar-se ao emissor, ter também a mesma capacidade de seduzir e estabelecer contatos, "fazer parte do grupo".

Alguns talvez questionem essa teoria mencionando aquelas postagens meramente informativas, que apenas reportam acontecimentos públicos sem nenhuma menção aos seus emissores ou às suas opiniões a respeito dos fatos descritos. Seriam elas também textos destinados essencialmente a estabelecer contatos e relações sociais? Sim, uma vez que são publicadas em páginas pessoais nas quais seus enunciadores apresentam-se como parte de um grupo social conectado por meio de interesses e histórias afins.

Notem, é uma situação muito diferente do repórter tradicional, cuja vida particular é intencionalmente omitida a fim de produzir nos espectadores a impressão de que ele é um porta-voz imparcial dos fatos narrados. No texto jornalístico, a mensagem geralmente não nos informa nada sobre a identidade social do repórter, a não ser o seu papel e competência profissional. Dia após dia, ele apresenta-se a nós na mesma condição: fulano de tal, jornalista.

Os usuários das redes sociais comportam-se de um modo bem diferente, compartilhando conosco, num mesmo espaço comunicacional, tanto informações sobre o mundo quanto dados sobre si mesmos, suas emoções, atitudes, desejos e frustrações. Nesse contexto, quando postam uma notícia, ela fala tanto de uma realidade objetiva quanto de quem eles são (ou gostariam de ser).

De um modo geral, as mensagens que circulam pelo circuito sedutor das redes sociais possuem alto teor expressivo, expondo as características do emissor como valores (a propósito, a pergunta do Facebook indica claramente o que está em jogo: "No que você está pensando agora?").

Os conteúdos de tais textos compõem narrações de mundos possíveis em que os valores em questão são compartilhados, praticados e distribuídos. Para fazer parte desse mundo, ninguém precisa se esforçar muito: basta executar a ação mágica ("curtir", comentar, "add", etc.) para garantir o ingresso.

Os recursos são novos; o fenômeno, porém, ancestral. A construção da realidade por meio de conversas é um fato elementar da condição humana. Aquilo que não é compartilhado possui uma existência duvidosa, esclarece Hannah Arendt (1981):

"Em comparação com a realidade que decorre do fato de que algo é visto e escutado, até mesmo as maiores forças da vida íntima [...] vivem uma espécie de vida incerta e obscura, a não ser que e até que, sejam transformadas, desprivatizadas e desindividualizadas, por assim dizer, de modo a tornar-se adequadas à aparição pública" (p. 59-60).

Sob essa perspectiva, o circuito sedutor das redes sociais não está apenas a serviço da camaradagem e dos rituais de acasalamento da espécie; ele cumpre um outro papel bastante essencial: as trocas simbólicas que ocorrem ao longo das conversações on-line tornam as coisas do mundo mais inteligíveis.

Leia também As redes sociais e a inflação simbólica.

Referências

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

VOLLI, Ugo. Semiótica da Publicidade: a criação do texto publicitário. Lisboa: Edições 70, 2004.