14.12.12

Para que serve a etnografia no marketing

Não lembro de ter visto alguém definir tão bem o valor da etnografia para o marketing. O antropólogo Grant McCracken escreveu um parágrafo exemplar no livro Chief Culture Officer, o qual uso aqui como gancho para alguns conceitos e métodos de branding hipercultural (acompanhe os links).
Ao praticar a etnografia, queremos ver como as peças se encaixam. A vida das pessoas está repleta de descontinuidades e contradições, mas ainda há uma lógica conceitual e emocional envolvente que ajuda a lhes dar sentido. De fato, na maior parte do tempo, nossa vida parece irresistivelmente lógica, óbvia e inevitável. É função da etnografia compreender como e porque as concepções dessa vida caminham ou parecem caminhar juntas. É esse contexto envolvente que os bens e serviços devem honrar, acessar e estar em sintonia. E é justamente esse conceito envolvente que tantas vezes é desarticulado e desmembrado pelos métodos tradicionais de pesquisa. O conceito envolvente, o panorama geral, nos permite dizer: "Sim, essa inovação faz sentido para o consumidor". Ou: "Não, isso faz sentido no laboratório. Não fará sentido no lar".

9.12.12

A jornada do herói

Muitos semioticistas têm se dedicado a desvendar a estrutura profunda da narrativa, supondo haver um esquema universal subjacente às mais diversas histórias, desde contos folclóricos e mitos antigos até romances contemporâneos e roteiros de cinema.

Já usei neste blog uma dessas fórmulas, quando analisei um texto publicitário da Benetton. Agora quero apresentar aqui um outro modelo, que é muitas vezes ignorado pela semiótica oficial: o monomito de Joseph Campbell.

Talvez o autor não seja citado pelos estudiosos do ramo por não fazer parte da linhagem intelectual inaugurada por Saussure, que, através de Greimas, Barthes e outros, foi responsável pelo grande desenvolvimento da análise estrutural da narrativa a partir dos anos 1960.

Joseph Campbell era antropólogo e foi profundamente influenciado pela teoria psicanalítica de Jung. Nela, encontrou os instrumentos que lhe permitiram identificar, nos alicerces de contos, mitos e fábulas de vários povos, uma estrutura comum e recorrente, chamada por ele de monomito.


A jornada do herói mitológico

O monomito, percurso padrão da aventura mitológica do herói, seria em sua abordagem "uma magnificação da fórmula representada pelos rituais de passagem: separação-iniciação-retorno" (2007, p. 36).

Essas três etapas correspondem aos três atos da intriga heróica:
  1. afastamento do mundo cotidiano; 
  2. penetração em alguma fonte de poder; 
  3. retorno ao mundo que enriquece a vida dos seus semelhantes.
A segunda etapa da jornada consiste em uma aventura "numa região de prodígios sobrenaturais", onde o herói "encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva" (p. 36).



Discussão de modelos

O esquema de Campbell parece ser um caso específico do "modelo canônico da narrativa" (REUTER, 2007, p. 36), que reduz toda e qualquer história a um processo de transformação constituído por cinco etapas:
  1. estado inicial; 
  2. complicação ou força perturbadora; 
  3. dinâmica; 
  4. resolução ou força equilibradora; 
  5. estado final.
A originalidade do monomito em relação a esse esquema decorre da sua matriz junguiana. A "força perturbadora" corresponde nele a um chamado vindo das profundezas do inconsciente, o qual impele o herói a percorrer, "numa região de prodígios sobrenaturais", uma jornada de aprendizado e de provas que o libertará das suas fixações infantis e do seu apego ao ego. Ao final da aventura, ele retornará ao mundo cotidiano portando o "elixir" que restaurará, em um patamar superior, o equilíbrio rompido no início da aventura.

Esses elementos são figurativizados de forma um pouco diferente em cada um dos mitos, contos e fábulas analisados por Joseph Campbell. Podemos ter uma ideia mais clara do percurso observando no cartoon abaixo como as abstrações da jornada do herói adquirem formas bastante concretas em algumas histórias específicas.

A Jornada do Herói.


Psicanálise do herói

A trajetória do herói é, para Campbell, similar ao processo de cura psicanalítica. Segundo ele, o terapeuta assume atualmente um papel que foi, por muito tempo, exercido pelos portadores e guardiões da mitologia e dos ritos hoje ignorados.

Sem este auxílio, "mantemo-nos [hoje] ligados às imagens não exorcizadas da nossa infância, razão pela qual não nos inclinamos a fazer as passagens necessárias da nossa vida adulta" (p. 21-2).

"O psicanalista deve aparecer então para confirmar a sabedoria avançada dos mais antigos ensinamentos" (p. 22) e ajudar seus pacientes a "cruzarem difíceis limiares de transformação que requerem uma mudança de padrões, não apenas da vida consciente, como da inconsciente" (p. 20).


Referências


CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007.

REUTER, Yves. A análise da narrativa: o texto, a ficção e a narração. Rio de Janeiro: DIFEL, 2007.