5.3.12

Estratégias semióticas do branding

Reuni numa coletânea alguns ensaios meus sobre comunicação de marca. Duas referências principais orientam a análise e a construção de modelos: a semiótica gerativa e o branding cultural. O trabalho está disponível para download via slideshare.

4.3.12

Mitos sobre a criatividade

No artigo A Mitologia das Ideias, o filósofo Hélio Schwartsman relativiza as fórmulas prontas para incentivar a criatividade no ambiente de trabalho.

O texto, veiculado na Ilustríssima deste domingo, desconstrói alguns mitos sobre o assunto, explorando suas nuances de forma bastante equilibrada:
  • O brainstorming não produz ideias tão boas e factíveis quanto pessoas trabalhando sozinhas;
  • Ambientes reservados, onde há mais privacidade, atraem profissionais de alta performance, que preferem se concentrar em suas tarefas;
  • Por outro lado, o debate é indispensável para se evitar os vieses cognitivos que levam os indivíduos a ignorar dados relevantes que contrariam seus preconceitos e intuições;
  • Para evitar a conformidade - tendência a concordar com os outros para se evitar conflitos pessoais -,  é preciso estimular aqueles que gostam de questionar o consenso e montar equipes culturalmente heterogêneas, com pontos de vista variados.
O autor conclui o artigo com uma importante ressalva: "e, mais importante, não acredite em fórmulas prontas".

Leia também: Design Thinking - notas para um debate.

26.2.12

Conceito e preconceito

Mais importante do que aprender um conceito é aprender a abandoná-lo antes que ele se torne um preconceito.

5.2.12

Semiótica em Argia

O que a literatura têm a ver com branding? Muito. Cada vez mais busca-se na narrativa literária os artifícios essenciais para a construção de marcas e a criação de branded content (Carrascoza, 2006). Então é sempre bom observar como trabalham os mestres na arte da ficção. Neste post, analiso a breve história de Argia e sua prosa cheia de poesia. Algumas ferramentas úteis para interpretação e produção de textos publicitários são apresentadas ao longo do ensaio.

Histórias sobre Argia

Marco Polo, navegador veneziano e embaixador de Kublai Khan, relata ao imperador a situação de Argia. A narrativa está no livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino.

O que distingue Argia das outras cidades é que no lugar de ar existe terra. As ruas são completamente aterradas, os quartos são cheios de argila até o teto, sobre as escadas pousam outras escadas em negativo, sobre os telhados das casas premem camadas de terreno rochoso como céus enevoados. Não sabemos se os habitantes podem andar pela cidade alargando as galerias das minhocas e as fendas em que se insinuam raízes: a umidade abate os corpos e tira toda a sua força; convém permanecerem parados e deitados, de tão escuro. 
De Argia, daqui de cima, não se vê nada; há quem diga: "Está lá embaixo" e é preciso acreditar; os lugares são desertos. À noite, encostando o ouvido no solo, às vezes se ouve uma porta que bate.

Ítalo Calvino não nomeou essa cidade invisível casualmente. "Argia" representa aqueles que acreditam haver vida após a morte.

Na mitologia grega, Argia era filha do rei Adrasto, de Argos, e esposa de Polinice, rei exilado de Tebas por seu irmão, Eteocles, que se apoderou definitivamente do trono.

Decidido a fazer valer seu direito à coroa, Polinice empreendeu uma guerra cujo fim foi trágico: ambos os irmãos morreram no campo de batalha. Creonte assumiu o poder rapidamente e ordenou que os mortos ficassem insepultos como punição pela guerra fratricida.

Inconsolável, Argia correu até o local do combate e procurou incansavelmente por Polinice até encontrar o corpo dele. Desesperada, recusou-se a acreditar que o marido estava mesmo morto. Tentou despertá-lo com lágrimas e beijos, mas seus esforços foram vãos.

A expressão e o conteúdo de uma cidade invisível

A referência intertextual reforça o tema sugerido pelo título da narrativa - "As Cidades e os Mortos 4": Ítalo Calvino escreve sobre a morte.

Ao figurativizar o mundo dos mortos como uma cidade, no entanto, o autor cria uma notável tensão semântica, pois a palavra "cidade" sugere movimento, e só há movimento onde há vida, costumamos supor.

A caracterização de Argia é contraditória. Suas ruas, quartos, escadas e toda a extensão sobre os telhados, ilustrações típicas de uma cidade, estão completamente soterradas, condição em que não julgamos possível haver vida humana.

Marco Polo e todos os "de cima" não sabem como os habitantes do local podem se locomover em tal situação. Especulam: talvez "alargando as galerias das minhocas e as fendas em que se insinuam raízes".

A verdade é que a umidade do espaço é tanta que "abate os corpos e tira toda a sua força". O lugar, de tão escuro, força os citadinos a "permanecerem parados e deitados".

Notem a sutileza: na passagem em que o veneziano descreve o fato positivamente, os "habitantes" passam a ser "corpos". Poderiam ser denominados "indivíduos" ou "pessoas", mas são chamados de "corpos" de modo a sugerir que estão mortos.

A morte só não é exclusivamente afirmada porque há testemunhas respeitáveis que a contradizem. A cidade "está lá embaixo", insistem pessoas em quem "é preciso acreditar" mesmo que elas nunca tenham visto Argia e se apoiem numa evidência fraca para deduzir que há vida na cidade dos mortos: o som de uma porta que bate nas profundezas, à noite, hora em que a mente do observador está cansada e menos lúcida, sem muito discernimento das coisas.

O quadrado da vida e da morte

No primeiro parágrafo da narrativa, Ítalo Calvino descreve a cidade por meio de uma série de oxímoros, aproximando, numa mesma unidade de sentido, figuras contraditórias. O recurso inviabiliza o ato definitório, pois uma definição não deve apresentar contradições, e serve para sugerir a impossibilidade de distinguir a real condição de Argia.

Morta e ao mesmo tempo viva, a cidade figurativiza o termo complexo do quadrado semiótico construído a partir da categoria semântica /vida/ versus /morte/.
Conforme nos lembra Fiorin (2011), a junção de termos opostos num discurso é típica do mito, categoria em que podemos situar a narrativa fantástica de um lugar em que há vida após a morte.

A estrutura da narrativa

No contexto do livro As Cidades Invisíveis, a história de Argia concentra-se no momento da sanção. As etapas anteriores do esquema narrativo canônico (Greimas, 1990) estão pressupostas.

Marco Polo assume o papel actancial de sujeito da narrativa, apresentando à Kublai Khan (destinador e destinatário) o objeto que, enquanto embaixador, se obrigou a trazer até o monarca: uma descrição verdadeira sobre a cidade dos mortos.

Em seu relato, Marco Polo cita ajudantes que, num momento anterior à sanção, em plena busca da verdade, lhe ofereceram testemunho e provas sobre a real natureza de Argia.

A incerteza do narrador

Marco Polo tenta descrever a cidade da forma mais objetiva possível. Daí sua opção de narrar quase o tempo todo na terceira pessoa. Seu papel afinal é apresentar relatos que permitam ao Grande Khan discernir o que se passa de fato nos domínios do império.

O eu do narrador só se projeta explicitamente no enunciado numa rápida passagem - "não sabemos se os habitantes podem andar pela cidade [...]" -, o que nos permite entrever sua opinião pessoal: no seu íntimo, Marco Polo não se sente seguro de que haja vida em Argia.

Sua incerteza é fortalecida pelo fato de que "daqui de cima", lugar da enunciação, ninguém é capaz de enxergar a cidade: "não se vê nada". O único sinal da existência de Argia é captado pela audição, sentido bem menos confiável do que a visão.

A insegurança de Marco Polo não o impede, entretanto, de admitir a existência da cidade com base na mera imaginação. Apoiando-se no testemunho dos outros, expressa o fato em discurso direto - "está lá embaixo" -, artifício que produz um efeito de verdade - o imperador é induzido a pensar que seu embaixador relata as coisas como de fato são.

O espaço e o tempo da morte

O espaço da enunciação é o espaço dos vivos. "Aqui em cima" é onde se encontram Marco Polo (narrador), o Grande Khan e todos aqueles que, ao dizerem "Está lá embaixo", estabelecem uma distância entre si e os mortos.

A superfície é o plano da vida, da controvérsia e da transformação. É onde, depois de encostar o ouvido no solo, "às vezes se ouve o barulho de uma porta que bate". É o lugar em que o embaixador oscila entre a crença e a dúvida enquanto certos atores do enunciado tentam convencê-lo de que há vida no subsolo.

"Lá embaixo", ao contrário, não ocorre nenhuma mudança de estado. A cidade está definitivamente soterrada e seus habitantes permanecem parados e deitados. Concomitante ao momento da narração, o tempo de Argia não se limita porém ao presente: é um tempo fora do tempo, o eterno presente da morte.

O jogo da verdade

A história de Argia pode ser lida como um "jogo da verdade", uma tentativa de "estabelecer, a partir da manifestação, a existência da imanência" de uma cidade viva (Greimas e Courtés, 2008, p. 533).

Por meio da lógica do quadrado semiótico, o diagrama das modalidades veredictórias coloca em relação os esquemas do parecer/não-parecer (manifestação) e do ser/não-ser (imanência).
Marco Polo tentar alcançar o termo complexo do esquema, a verdade, ou seja, confirmar ser Argia uma cidade viva por meio do parecer Argia uma cidade viva. Mas a urbe permanece um segredo para ele, pois é viva, como atestam pessoas dignas de crédito, sem parecer viva, a não ser, insisto, por uma evidência muito frágil: o som de uma porta que bate, às vezes, quando, à noite, se encosta o ouvido no solo.

Tumulto epistemológico

A relação entre o ser e o parecer é tensa em Argia. A verdade é fugaz, pois o ser-cidade, um conhecimento bem estabelecido pela tradição e pelo testemunho, é marcado em vários momentos pelo não-parecer-cidade.

Fontanille e Zilberberg (2001), pioneiros da semiótica tensiva, propõem que as categorias semânticas sejam definidas pela relação entre os eixos da extensidade e da intensidade, sobre os quais o discurso faz investimentos de tonicidade.

O eixo da extensidade é associado ao componente que tem incidência global no discurso. No caso de Argia, o /ser/ é da ordem da extensidade, pois é a noção que se tenta sustentar ao longo do texto, enquanto o /parecer/ é da ordem da intensidade porque coloca suas marcas locais na dimensão da extensidade.

Sobre cada um desses eixos projeta-se tonicidade, variando do átono ao tônico. Na narrativa em questão, sobre o eixo da extensidade podemos observar o /ser/ como sendo tônico e o /não-ser/, átono, enquanto sobre o eixo da intensidade localizamos o /parecer/ e o /não-parecer/.

A princípio, dois tipos de relação podem ser produzidos entre esses eixos. A relação será conversa se o /ser/ e o /parecer/ forem diretamente proporcionais - ambos aumentam ou diminuem juntos, simultaneamente - e inversa se forem inversamente proporcionais - o /ser/ aumenta enquanto o /parecer/ diminui, ou diminui enquanto o /parecer/ aumenta.


Na narrativa de Ítalo Calvino, as duas relações estão presentes, cada uma delas associada a um ponto de vista diferente.

A descrição de Argia por meio de oxímoros afirma /ser/ ela uma cidade, mas, ao mesmo tempo, /não-parecer/ uma cidade, já que está totalmente aterrada. Eis a posição do segredo no diagrama das modalidades veredictórias, ponto situado num extremo da curva inversa sobre a qual se desloca o embaixador em sua vã tentativa de alcançar a verdade: na medida em que ele busca tonificar o /parecer/, o /ser/ se torna átono, pois a aparência de Argia não é a de uma cidade.

Marco Polo não chega porém a negar a sua existência. Por força do testemunho de pessoas em quem "é preciso acreditar", o veneziano resigna-se a definir Argia como uma cidade, incluindo em seu relato uma evidência conversa não muito forte: o barulho da porta que bate "lá embaixo" tonifica o /ser/ na medida em que acentua o /parecer/, mas não o suficiente para estabelecer de modo pleno a verdade, deixando-nos oscilar naquele ponto em que se misturam segredo, mentira, verdade e falsidade, ponto em que se cruzam as curvas conversa e inversa, lugar de tumulto epistemológico.


Referências

CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Tradução Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CARRASCOZA, João A. A evolução do texto publicitário: a associação de palavras como elemento de sedução na publicidade. São Paulo: Futura, 2006, 8. ed.

FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2011, 15.ed.

FONTANILLE, Jacques; ZILBERBERG, Claude. Tensão e Significação. São Paulo: Discurso Editorial, Humanitas/FFLCH/USP, 2001.

GREIMAS, Algirdas J. Del Sentido - Ensayos Semioticos. Madrid: Credos, 1990.

GREIMAS, Algirdas J.; COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.

4.2.12

Identidade alheia

"Nossa personalidade social é uma criação do pensamento alheio", escreveu Marcel Proust. Um koan zen-budista expressa a mesma ideia na forma de uma charada: "quem seria eu se você não fosse do jeito que é?". E vice-versa, é bom lembrar. Ter uma identidade não é, portanto, uma questão de ser, mas de inter-ser.

Leia também: Identidade social e branding no Facebook

13.1.12

Livros sobre semiótica e branding

Selecionei nove livros essenciais para quem se interessa pelo assunto. Todos eles dentro da tradição da semiótica gerativa inaugurada por Algirdas Julien Greimas, uma especialidade indispensável para quem precisa entender e trabalhar narrativas publicitárias.

Minhas indicações estão organizadas em ordem crescente de complexidade, começando com duas excelentes introduções e terminando com dois livros que aplicam os princípios da semiótica ao branding e à publicidade.

Elementos de Análise do Discurso, de José Luiz Fiorin. Breve, completo e recheado de exemplos práticos, a maior parte deles textos literários. Apesar do título se referir à "análise do discurso", expressão que inclui diferentes abordagens, o volume é na verdade uma introdução aos conceitos e métodos propostos pela semiótica gerativa.

Ensaios de Semiótica: Aprendendo com o Texto, de Glaucia Muniz Proença Lara e Ana Cristina Fricke Matte. Outra introdução excelente, complementa a leitura do livro anterior apresentando ao estudante os princípios da semiótica tensiva, abordagem que corresponde a uma das evoluções mais recentes da tradição gerativa.

Semiótica Visual: os percursos do olhar, de Antonio Vicente Pietroforte. Vinculado à teoria de significação de Greimas, preenche uma lacuna importante na nossa literatura na medida em que discute como opera o semi-simbolimos nos textos visuais. Muito prático, dedica-se principalmente a analisar casos concretos da cultura brasileira. Aborda fotografia, pintura, história em quadrinhos, escultura, arquitetura e poesia concreta.

Análise do texto visual: a construção do texto visual. Outro livro do Pietroforte, com um avanço: nesta obra o autor incorpora as conquistas da semiótica tensiva na análise de textos visuais (capa de disco, fotografia, quadrinhos, etc).

Manual de Semiótica, de Ugo Volli. Um típico manual; muito completo, reúne várias vertentes da semiótica. É denso, mas fácil de ler. Referência importante para quem precisa situar a escola gerativa em relação a outras tradições e ciências do texto e do discurso. Dialoga também com a sociologia e a antropologia.

Dicionário de Semiótica, de Greimas e Courtés. Um clássico atual organizado na forma de hipertexto. O leitor pode percorrer os verbetes em ordem alfabética, navegar entre conceitos que fazem parte de um mesmo contexto semânticos ou entre termos constitutivos de um campo conceitual mais vasto. Não cobre os avanços mais recentes da semiótica, mas continua atual na medida em que apresenta todos os fundamentos necessários para se situar nas conquistas recentes da escola gerativa.

Semiótica do Discurso, de Jacques Fontanille. O autor escreveu um manual a partir do ponto de vista da semiótica tensiva. Não é um livro fácil devido ao seu alto nível de abstração. Encare como uma leitura avançada. Fontanille recorre à outra tradição semiótica, fundada por Peirce, para renovar a escola gerativa no que se refere à relação entre o sensível e o inteligível. É indispensável para quem pretende acompanhar os debates mais atuais do campo.

Semiótica da Publicidade: a criação do texto publicitário, de Ugo Volli. Leitura acessível mesmo para não iniciados. Funciona até mesmo como uma introdução à semiótica gerativa, já que o autor, antes de discutir os vários aspectos da publicidade, explica cada um dos conceitos semióticos com muita clareza.

A Marca Pós-Moderna: Poder e Fragilidade da Marca na Sociedade Contemporânea, de Andrea Semprini. Um livro de branding baseado na semiótica greimasiana. O autor revê criticamente vários modelos de construção e gestão de marcas antes de apresentar a sua abordagem. Destaque também para a discussão sobre o lugar e o papel da marca na sociedade contemporânea.

Leia também: Estratégias semióticas do branding.

7.1.12

Narrativas para marcas pós-modernas

Héber Sales




Embora o esquema canônico de Greimas costume ser usado como referência no estudo das narrativas de branding, ele trata apenas de histórias de busca: o sujeito descobre que algo lhe falta, busca as competências e recursos necessários para saciar sua necessidade e realiza a performance que o conjuga com o objeto desejado.

Há, entretanto, outros percursos possíveis que merecem a nossa atenção porque, além de abrir novas oportunidades para diferenciarmos marcas, talvez respondam melhor às tensões sociais e culturais da nossa época.

Neste post, discuto duas formas daquilo que, a partir da minha leitura de Jacques Fontanille, chamo de narrativas da saciedade: estamos caminhando para uma condição onde o desafio é saber como lidar com a satisfação e não com a falta.

Narrativas da plenitude


É o caso, por exemplo, das narrativas da plenitude (FONTANILLE, 2007). O sujeito se encontra num estado de máxima informação, posse e conhecimento das coisas, mas seu desejo não arrefece, pelo contrário: excitação e satisfação experimentam um pico.

Não é raro nessas situações que o indivíduo percorra uma trajetória de fuga ou recomposição seletiva de valores por meio da discriminação entre o "bom" e o "ruim", o "desejável" e o "execrável" etc.

Ao adotar o discurso do "bom gosto" e se dedicar à elaboração do "ser diferente", muitas marcas estão se solidarizando com consumidores que percorrem esse trajeto.

No limite, a triagem axiológica pode, no entanto, ser tão exaustiva que não aproveita nada: "chega-se, então, ao cinismo ou ao niilismo, que fazem cada um a seu modo, a mesma desvalorização geral dos objetos" (p. 127), o que não leva necessariamente a um comportamento anti-consumista, pelo contrário: o cínico pode não dar valor à nada, mas entrega-se a tudo que possa lhe proporcionar satisfação imediata.

Narrativas da inanidade


Fontanille aborda também as narrativas da inanidade, que em uma de suas representações mais comuns configura-se assim: "quanto mais objetos os sujeitos [...] acumulam, mais seu desejo enfraquece-se e menos o valor desses objetos contam para ele" (p. 127).

No romance As Coisas, Georges Perec segue esse modelo e antecipa uma condição bastante comum à nossa sociedade de consumo hoje: a questão agora talvez seja como "fugir ou apreender a presença invasiva dos objetos" (p. 125).

Ao propor novos sistemas de valores, uma vida mais simples e espiritualizada por exemplo, algumas marcas estão sugerindo uma identidade capaz de resolver a tensão causada pelo vazio sentido quando se alcança um estado de saciedade.

Em certos episódios, a inanidade pode levar o sujeito a entrar num jogo de risco: para recuperar o valor do objeto ao qual se tornou indiferente, ele se arrisca a perdê-lo. Um Jogador, de Dostoievski, é um exemplo desse tipo de percurso. No âmbito publicitário, marcas com um discurso beirando o ilícito prometem aventura similar.

A narrativa cool


Alguns movimentos culturais contemporâneos têm criado suas próprias soluções para os esquemas analisados acima, oferecendo às marcas novas oportunidades de branding cultural. É o caso do espírito cool e da sua ideologia da autenticidade tão bem representada pelos hipsters.

O cool se opõe ao mainstream, à cultura de massa e à tendência do mundo social de uniformizar e padronizar o comportamento e o estilo de vida dos indivíduos.
"[Cool] tem a ver com originalidade, auto-confiança e deve ser obtido sem esforço. É frequentemente transgressor e anti-establishment. É certamente narcisista. [...] inclui recusa à conformidade, envolvimento artístico, um senso de desapego e uma porção (ou mais) do ilícito. [...] não se importa com o que os outros pensam. [...]" (NANCARROW e NANCARROW, 2007, p. 135).

Cool branding


O espírito cool capta o desafio iminente para a maioria das marcas na medida em que o Brasil progride para se tornar um país desenvolvido sob o modelo capitalista. Elas precisam aprender a lidar com as experiências de plenitude e de inanidade vividas pelos consumidores.

Daí meu interesse em acompanhar mais de perto os desdobramentos do discurso hipster e do movimento nerd em geral. Não se trata de ver em cada consumidor um cool hunter em potencial, mas de observar o que essa sub-cultura traz de novo e desejável para a sociedade como um todo.

O hippie e o punk fizeram história na política, nos costumes, na arte e no branding, ao ponto de hoje em dia todos nós consumirmos um pouco do universo hippie ou do punk, mesmo que quase nada e sem perceber. Talvez o espírito cool e a ideologia nerd façam o mesmo em nosso tempo, até porque carregam o mesmo ethos contra-cultural que entrou em moda a partir do final dos anos 1960.

Leia também: Estratégias semióticas para posicionamento de marcas.


Referências


FONTANILLE, Jacques. Semiótica do Discurso. São Paulo: Contexto, 2007.

GREIMAS, Algirdas J. Del Sentido - Ensayos Semioticos. Madrid: Credos, 1990.

NANCARROW, Clive; NANCARROW, Pamela. Hunting for Cool Tribes. Em Consumer Tribes, COVA, B.; KOZINETS, R. V.; SHANKAR, A. (eds.). Oxford: Elsevier, 2007, p. 129-143.

2.1.12

O paradoxo da identidade na cultura de consumo

Para ser visto como "diferente" é preciso se enquadrar naquele tipo de pessoa que é reconhecido, ao menos por um grupo social, como "diferente", o que nos retorna à condição de iguais a outros sujeitos "diferentes".

Por que digo isso? Por ver tanta gente usando este ou aquele produto ou serviço como se fosse a marca de quem é "diferente", "autêntico", "original".

Leia também: Identidade social e branding no Facebook.

17.12.11

Toda publicidade conta uma história


Héber Sales

Textos, por mais resumidos e visuais que sejam, sempre nos remetem a uma história, mesmo quando não a percebemos conscientemente. É o caso deste anúncio da campanha Unhate, que promove a marca Benetton em seu mais recente esforço de branding. É possível identificar nele, mesmo que de modo implícito, todos os elementos do esquema narrativo universal proposto por Greimas (1990).



O esquema narrativo universal

Segundo a semiótica gerativa, todas as histórias podem ser reduzidas a quatro etapas elementares, num circuito que pode se repetir várias vezes numa narrativa específica e, frequentemente, de forma subordinada a outros ciclos ficcionais mais amplos.



No centro de qualquer história, há uma ação através da qual o sujeito que a realiza entra em conjunção com um objeto de valor. Este, por sua vez, é escolhido como alvo dentre todas as outras coisas do mundo por meio de um contrato: o sujeito obriga-se a conquistar o objeto de valor perante um destinador, que o manipulou previamente para arrancar dele tal compromisso.

O contrato estabelece um estímulo à ação (o dever), mas ele se concretiza na medida em que corresponde ao querer do sujeito da ação, o qual, no entanto, raramente está pronto para executar a performance proposta. Ele precisará antes acumular competência: encontrar meios, obter ajuda, acumular um saber ou um poder.

A qualquer momento da narrativa o sujeito pode falhar. Seu sucesso ou fracasso final é atestado numa última etapa chamada de sanção, momento em que o destinador da aventura avalia se o contrato foi efetivamente cumprido pelo herói.


Actantes narrativos

Os personagens de uma história podem ocupar posições sintáticas típicas ao longo da narrativa. Além dos papéis identificados nos parágrafos anteriores, como foi o caso do destinador, do objeto e do sujeito, comparecem nas narrativas o ajudante, o opositor e o destinatário.


Notem, nem sempre o destinatário corresponde ao sujeito que realiza a performance: o objeto de valor pode, por exemplo, ser conquistado pelo herói sob contrato para que seja entregue a um outro personagem.


Unhate: uma imagem, uma história

Vejamos agora como o esquema narrativo universal acontece no caso deste texto publicitário específico, em que Barack Obama e Hugo Chávez beijam-se na boca.



A cena corresponde claramente ao momento da sanção e enquadra o anúncio na forma narrativa da sanção pura (VOLLI, 2000). O beijo comprova o cumprimento de um contrato que determinou aos sujeitos (Barack Obama e Hugo Chávez) negociarem um acordo de paz (objeto de valor).

As etapas anteriores da história podem ser pressupostas.

Quem seria o destinador? O eleitor estadunidense, por exemplo, que, em troca do seu voto, por meio de seus representantes, poderia ter exigido do presidente Obama um acordo de paz com a Venezuela.

Destinatários seriam os povos na Venezuela e dos EUA, que, devido à performance dos seus líderes, também entrariam em estado de conjunção com esse objeto de valor, a paz.

A Benetton assina a peça, no papel de marca como autor virtual. Representa também um ajudante ao patrocinar uma fundação destinada ao projeto: a Unhate Foundation.

Imaginar quem seriam os opositores não é difícil, basta nos lembrarmos das forças políticas que defendem o confronto e a guerra pelos mais variados motivos.


Como as histórias constroem associações de marca

Toda narração coloca-se como um conflito de valores. O objeto representa um valor desejado pelo sujeito. Para conquistá-lo, porém, ele enfrenta opositores, que expressam um valor oposto.

No caso da campanha Unhate, a categoria semântica elaborada é constituída pela oposição entre os valores ódio/paz, e a marca Benetton, ao desempenhar um papel de ajudante, situa-se no pólo da paz, projetando a imagem de uma marca pacifista e progressista.

Num outro nível de interpretação, a história liga-se, por seu caráter transgressor e pelas ações de guerrilha, a um tema bastante recorrente na sociedade ocidental moderna: os protestos populares contra políticas governamentais indesejadas. O script é bem conhecido por todos nós e lembra marchas de rua, com líderes à frente, palavras de ordem do mesmo tipo de Unhate, cartazes com imagens provocativas, chocantes.

A Benetton jogou com esses estereótipos em sua campanha de modo a facilitar a identificação e a adesão de um determinado público, também ele típico desse universo temático: jovens bem instruídos, universitários, urbanos, com o pé ou os dois na contra-cultura.

A reação das autoridades retratadas só reforçou o efeito pretendido, na medida em que, ao condenarem a campanha num tom mal humorado, confirmaram perante o público-alvo que a iniciativa da Benetton é realmente válida e necessária.

Leia mais sobre a publicidade de choque da Benetton: O signo publicitário na era digital.


Referências:

GREIMAS, Algirdas J. Del Sentido - Ensayos Semioticos. Madrid: Credos, 1990.

GREIMAS, Algirdas J. e COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.

VOLLI, Ugo. Semiótica da Publicidade. Lisboa: Edições 70, 2000.

14.12.11

Quem é de fato o público da marca?

Héber Sales


O conteúdo de marca, seja ele uma imagem num anúncio impresso, um post em um blog ou um tweet, possui uma relação complexa com seu público-alvo.

Para que isso fique bem claro, precisamos distinguir quatro diferentes tipos de público:

  • O sujeito empírico receptor (o leitor real de um post no Facebook, o apreciador de uma imagem publicada num blog ou o espectador de um VT, por exemplo); 
  • O público-alvo que, como veremos a seguir não coincide necessariamente com o sujeito empírico receptor; 
  • O leitor-modelo, que não é uma pessoa real, mas um intérprete ideal imaginado pelo criativo enquanto concebe a sua peça; 
  • O público representado no texto publicitário.

O leitor-modelo e o público-alvo

Quando criamos uma única mensagem para muitos destinatários dificilmente podemos adaptá-la às competências e expectativas particulares de cada um dos seus leitores reais.

Concebemos então um leitor-modelo que, segundo Umberto Eco, é um tipo-ideal de receptor imaginado pelo autor como pura estratégia textual - é o indivíduo que, em hipótese, possui o interesse e as habilidades necessárias para decodificar uma determinada mensagem nos termos desejados por nós, que a criamos.

Por exemplo, o redator cria, para uma marca de vestuário feminino, um conteúdo que só seja completamente compreensível para leitoras com maior nível de instrução, cosmopolitas, que acompanham as tendências de perto e conhece os jargões do meio.

À esta altura é importante fazer uma ressalva: o leitor-modelo nem sempre corresponde ao público-alvo da marca. Pelo contrário, é muito comum uma separação proposital entre as duas categorias tendo em vista o público que se deseja representar no texto.


O público representado no texto publicitário

O público-alvo pode ser representado na publicidade de um modo notavelmente idealizado e distante de suas características reais, de um modo caracterizado por uma atitude geral de euforia. A personagem de um anúncio, por exemplo, tenderá a ser mais bela, feliz, livre, instruída e rica do que os seus correspondentes reais.

A manobra acontece porque está em causa uma representação narrativa cujo sentido é associar o receptor a certos valores de marca, os quais lhe são altamente desejáveis porque o ajudam a resolver suas contradições e tensões existenciais por meio do consumo (HOLT, 2005 e VOLLI, 2003).

É necessário, contudo, que a personagem preserve alguns dados reais do público-alvo para que aconteça mais facilmente a identificação dos receptores com ela.

Além disso, importa que esse processo de identificação refira-se mais ao sistema de relações em que a personagem está inserida (casal, colegas de trabalho, família, etc.) do que às suas características positivas.

Tal ênfase permite mais de uma identificação em relação ao mesmo texto (na publicidade de um shopping moderno, há um lugar para a mulher independente e bem informada, mas também para o seu marido, que se apresenta como um pai liberal e ao mesmo tempo firme, por exemplo).


O desejo mimético

A ligação do receptor empírico para com a personagem é muitas vezes desencadeado pelo chamado desejo mimético: desejar o que é desejado por outros por meio de uma dialética de identificação, rivalidade e inveja (VOLLI, 2003).

O mecanismo contagioso do desejo é geralmente explorado na publicidade por meio da representação do desejo na personagem e do prazer proporcionado pelo consumo dos produtos da marca.


O sujeito empírico receptor

Todas essas estratégias não devem nos confundir quanto aos efeitos reais dos nossos textos. É o que acontece quando os posts de uma marca premium no Facebook são curtidos e comentado por pessoas que, aparentemente, nem podem comprar os seus produtos.

Muitas vezes, nesse desencontro, há grandes oportunidades de branding. Foi o caso do All Star, que nos anos 1970 anunciava seus tênis como basqueteiras quando descobriu que havia um novo público para seus produtos: jovens fãs de punk rock. A novidade permitiu à marca reposicionar-se como um bem sucedido símbolo da contra cultura.


Referências:

ECO, Umberto. Lector in Fabula. São Paulo: Perspectiva, 2002.

HOLT, Douglas B. Como as Marcas se Tornam Ícones: os Princípios do Branding Cultural. São Paulo: Cultrix, 2005.

VOLLI, Ugo. Semiótica da Publicidade. Lisboa: Edições 70, 2000.