Embora o esquema canônico de Greimas costume ser usado como referência no estudo das narrativas de branding, ele trata apenas de histórias de busca: o sujeito descobre que algo lhe falta, busca as competências e recursos necessários para saciar sua necessidade e realiza a performance que o conjuga com o objeto desejado.
Há, entretanto, outros percursos possíveis que merecem a nossa atenção porque, além de abrir novas oportunidades para diferenciarmos marcas, talvez respondam melhor às tensões sociais e culturais da nossa época.
Neste post, discuto duas formas daquilo que, a partir da minha leitura de Jacques Fontanille, chamo de narrativas da saciedade: estamos caminhando para uma condição onde o desafio é saber como lidar com a satisfação e não com a falta.
Narrativas da plenitude
É o caso, por exemplo, das narrativas da plenitude (FONTANILLE, 2007). O sujeito se encontra num estado de máxima informação, posse e conhecimento das coisas, mas seu desejo não arrefece, pelo contrário: excitação e satisfação experimentam um pico.
Não é raro nessas situações que o indivíduo percorra uma trajetória de fuga ou recomposição seletiva de valores por meio da discriminação entre o "bom" e o "ruim", o "desejável" e o "execrável" etc.
Ao adotar o discurso do "bom gosto" e se dedicar à elaboração do "ser diferente", muitas marcas estão se solidarizando com consumidores que percorrem esse trajeto.
No limite, a triagem axiológica pode, no entanto, ser tão exaustiva que não aproveita nada: "chega-se, então, ao cinismo ou ao niilismo, que fazem cada um a seu modo, a mesma desvalorização geral dos objetos" (p. 127), o que não leva necessariamente a um comportamento anti-consumista, pelo contrário: o cínico pode não dar valor à nada, mas entrega-se a tudo que possa lhe proporcionar satisfação imediata.
Narrativas da inanidade
Fontanille aborda também as narrativas da inanidade, que em uma de suas representações mais comuns configura-se assim: "quanto mais objetos os sujeitos [...] acumulam, mais seu desejo enfraquece-se e menos o valor desses objetos contam para ele" (p. 127).
No romance As Coisas, Georges Perec segue esse modelo e antecipa uma condição bastante comum à nossa sociedade de consumo hoje: a questão agora talvez seja como "fugir ou apreender a presença invasiva dos objetos" (p. 125).
Ao propor novos sistemas de valores, uma vida mais simples e espiritualizada por exemplo, algumas marcas estão sugerindo uma identidade capaz de resolver a tensão causada pelo vazio sentido quando se alcança um estado de saciedade.
Em certos episódios, a inanidade pode levar o sujeito a entrar num jogo de risco: para recuperar o valor do objeto ao qual se tornou indiferente, ele se arrisca a perdê-lo. Um Jogador, de Dostoievski, é um exemplo desse tipo de percurso. No âmbito publicitário, marcas com um discurso beirando o ilícito prometem aventura similar.
A narrativa cool
Alguns movimentos culturais contemporâneos têm criado suas próprias soluções para os esquemas analisados acima, oferecendo às marcas novas oportunidades de branding cultural. É o caso do espírito cool e da sua ideologia da autenticidade tão bem representada pelos hipsters.
O cool se opõe ao mainstream, à cultura de massa e à tendência do mundo social de uniformizar e padronizar o comportamento e o estilo de vida dos indivíduos.
"[Cool] tem a ver com originalidade, auto-confiança e deve ser obtido sem esforço. É frequentemente transgressor e anti-establishment. É certamente narcisista. [...] inclui recusa à conformidade, envolvimento artístico, um senso de desapego e uma porção (ou mais) do ilícito. [...] não se importa com o que os outros pensam. [...]" (NANCARROW e NANCARROW, 2007, p. 135).
Cool branding
O espírito cool capta o desafio iminente para a maioria das marcas na medida em que o Brasil progride para se tornar um país desenvolvido sob o modelo capitalista. Elas precisam aprender a lidar com as experiências de plenitude e de inanidade vividas pelos consumidores.
Daí meu interesse em acompanhar mais de perto os desdobramentos do discurso hipster e do movimento nerd em geral. Não se trata de ver em cada consumidor um cool hunter em potencial, mas de observar o que essa sub-cultura traz de novo e desejável para a sociedade como um todo.
O hippie e o punk fizeram história na política, nos costumes, na arte e no branding, ao ponto de hoje em dia todos nós consumirmos um pouco do universo hippie ou do punk, mesmo que quase nada e sem perceber. Talvez o espírito cool e a ideologia nerd façam o mesmo em nosso tempo, até porque carregam o mesmo ethos contra-cultural que entrou em moda a partir do final dos anos 1960.
Leia também: Estratégias semióticas para posicionamento de marcas.
Referências
FONTANILLE, Jacques. Semiótica do Discurso. São Paulo: Contexto, 2007.
GREIMAS, Algirdas J. Del Sentido - Ensayos Semioticos. Madrid: Credos, 1990.
NANCARROW, Clive; NANCARROW, Pamela. Hunting for Cool Tribes. Em Consumer Tribes, COVA, B.; KOZINETS, R. V.; SHANKAR, A. (eds.). Oxford: Elsevier, 2007, p. 129-143.
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