14.12.11

Quem é de fato o público da marca?

Héber Sales


O conteúdo de marca, seja ele uma imagem num anúncio impresso, um post em um blog ou um tweet, possui uma relação complexa com seu público-alvo.

Para que isso fique bem claro, precisamos distinguir quatro diferentes tipos de público:

  • O sujeito empírico receptor (o leitor real de um post no Facebook, o apreciador de uma imagem publicada num blog ou o espectador de um VT, por exemplo); 
  • O público-alvo que, como veremos a seguir não coincide necessariamente com o sujeito empírico receptor; 
  • O leitor-modelo, que não é uma pessoa real, mas um intérprete ideal imaginado pelo criativo enquanto concebe a sua peça; 
  • O público representado no texto publicitário.

O leitor-modelo e o público-alvo

Quando criamos uma única mensagem para muitos destinatários dificilmente podemos adaptá-la às competências e expectativas particulares de cada um dos seus leitores reais.

Concebemos então um leitor-modelo que, segundo Umberto Eco, é um tipo-ideal de receptor imaginado pelo autor como pura estratégia textual - é o indivíduo que, em hipótese, possui o interesse e as habilidades necessárias para decodificar uma determinada mensagem nos termos desejados por nós, que a criamos.

Por exemplo, o redator cria, para uma marca de vestuário feminino, um conteúdo que só seja completamente compreensível para leitoras com maior nível de instrução, cosmopolitas, que acompanham as tendências de perto e conhece os jargões do meio.

À esta altura é importante fazer uma ressalva: o leitor-modelo nem sempre corresponde ao público-alvo da marca. Pelo contrário, é muito comum uma separação proposital entre as duas categorias tendo em vista o público que se deseja representar no texto.


O público representado no texto publicitário

O público-alvo pode ser representado na publicidade de um modo notavelmente idealizado e distante de suas características reais, de um modo caracterizado por uma atitude geral de euforia. A personagem de um anúncio, por exemplo, tenderá a ser mais bela, feliz, livre, instruída e rica do que os seus correspondentes reais.

A manobra acontece porque está em causa uma representação narrativa cujo sentido é associar o receptor a certos valores de marca, os quais lhe são altamente desejáveis porque o ajudam a resolver suas contradições e tensões existenciais por meio do consumo (HOLT, 2005 e VOLLI, 2003).

É necessário, contudo, que a personagem preserve alguns dados reais do público-alvo para que aconteça mais facilmente a identificação dos receptores com ela.

Além disso, importa que esse processo de identificação refira-se mais ao sistema de relações em que a personagem está inserida (casal, colegas de trabalho, família, etc.) do que às suas características positivas.

Tal ênfase permite mais de uma identificação em relação ao mesmo texto (na publicidade de um shopping moderno, há um lugar para a mulher independente e bem informada, mas também para o seu marido, que se apresenta como um pai liberal e ao mesmo tempo firme, por exemplo).


O desejo mimético

A ligação do receptor empírico para com a personagem é muitas vezes desencadeado pelo chamado desejo mimético: desejar o que é desejado por outros por meio de uma dialética de identificação, rivalidade e inveja (VOLLI, 2003).

O mecanismo contagioso do desejo é geralmente explorado na publicidade por meio da representação do desejo na personagem e do prazer proporcionado pelo consumo dos produtos da marca.


O sujeito empírico receptor

Todas essas estratégias não devem nos confundir quanto aos efeitos reais dos nossos textos. É o que acontece quando os posts de uma marca premium no Facebook são curtidos e comentado por pessoas que, aparentemente, nem podem comprar os seus produtos.

Muitas vezes, nesse desencontro, há grandes oportunidades de branding. Foi o caso do All Star, que nos anos 1970 anunciava seus tênis como basqueteiras quando descobriu que havia um novo público para seus produtos: jovens fãs de punk rock. A novidade permitiu à marca reposicionar-se como um bem sucedido símbolo da contra cultura.


Referências:

ECO, Umberto. Lector in Fabula. São Paulo: Perspectiva, 2002.

HOLT, Douglas B. Como as Marcas se Tornam Ícones: os Princípios do Branding Cultural. São Paulo: Cultrix, 2005.

VOLLI, Ugo. Semiótica da Publicidade. Lisboa: Edições 70, 2000.

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