Héber Sales
Textos, por mais resumidos e visuais que sejam, sempre nos remetem a uma história, mesmo quando não a percebemos conscientemente. É o caso deste anúncio da campanha Unhate, que promove a marca Benetton em seu mais recente esforço de branding. É possível identificar nele, mesmo que de modo implícito, todos os elementos do esquema narrativo universal proposto por Greimas (1990).
O esquema narrativo universal
Segundo a semiótica gerativa, todas as histórias podem ser reduzidas a quatro etapas elementares, num circuito que pode se repetir várias vezes numa narrativa específica e, frequentemente, de forma subordinada a outros ciclos ficcionais mais amplos.O contrato estabelece um estímulo à ação (o dever), mas ele se concretiza na medida em que corresponde ao querer do sujeito da ação, o qual, no entanto, raramente está pronto para executar a performance proposta. Ele precisará antes acumular competência: encontrar meios, obter ajuda, acumular um saber ou um poder.
A qualquer momento da narrativa o sujeito pode falhar. Seu sucesso ou fracasso final é atestado numa última etapa chamada de sanção, momento em que o destinador da aventura avalia se o contrato foi efetivamente cumprido pelo herói.
Actantes narrativos
Os personagens de uma história podem ocupar posições sintáticas típicas ao longo da narrativa. Além dos papéis identificados nos parágrafos anteriores, como foi o caso do destinador, do objeto e do sujeito, comparecem nas narrativas o ajudante, o opositor e o destinatário.Unhate: uma imagem, uma história
Vejamos agora como o esquema narrativo universal acontece no caso deste texto publicitário específico, em que Barack Obama e Hugo Chávez beijam-se na boca.A cena corresponde claramente ao momento da sanção e enquadra o anúncio na forma narrativa da sanção pura (VOLLI, 2000). O beijo comprova o cumprimento de um contrato que determinou aos sujeitos (Barack Obama e Hugo Chávez) negociarem um acordo de paz (objeto de valor).
As etapas anteriores da história podem ser pressupostas.
Quem seria o destinador? O eleitor estadunidense, por exemplo, que, em troca do seu voto, por meio de seus representantes, poderia ter exigido do presidente Obama um acordo de paz com a Venezuela.
Destinatários seriam os povos na Venezuela e dos EUA, que, devido à performance dos seus líderes, também entrariam em estado de conjunção com esse objeto de valor, a paz.
A Benetton assina a peça, no papel de marca como autor virtual. Representa também um ajudante ao patrocinar uma fundação destinada ao projeto: a Unhate Foundation.
Imaginar quem seriam os opositores não é difícil, basta nos lembrarmos das forças políticas que defendem o confronto e a guerra pelos mais variados motivos.
Como as histórias constroem associações de marca
Toda narração coloca-se como um conflito de valores. O objeto representa um valor desejado pelo sujeito. Para conquistá-lo, porém, ele enfrenta opositores, que expressam um valor oposto.No caso da campanha Unhate, a categoria semântica elaborada é constituída pela oposição entre os valores ódio/paz, e a marca Benetton, ao desempenhar um papel de ajudante, situa-se no pólo da paz, projetando a imagem de uma marca pacifista e progressista.
Num outro nível de interpretação, a história liga-se, por seu caráter transgressor e pelas ações de guerrilha, a um tema bastante recorrente na sociedade ocidental moderna: os protestos populares contra políticas governamentais indesejadas. O script é bem conhecido por todos nós e lembra marchas de rua, com líderes à frente, palavras de ordem do mesmo tipo de Unhate, cartazes com imagens provocativas, chocantes.
A Benetton jogou com esses estereótipos em sua campanha de modo a facilitar a identificação e a adesão de um determinado público, também ele típico desse universo temático: jovens bem instruídos, universitários, urbanos, com o pé ou os dois na contra-cultura.
A reação das autoridades retratadas só reforçou o efeito pretendido, na medida em que, ao condenarem a campanha num tom mal humorado, confirmaram perante o público-alvo que a iniciativa da Benetton é realmente válida e necessária.
Leia mais sobre a publicidade de choque da Benetton: O signo publicitário na era digital.
Referências:
GREIMAS, Algirdas J. Del Sentido - Ensayos Semioticos. Madrid: Credos, 1990.
GREIMAS, Algirdas J. e COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008.
VOLLI, Ugo. Semiótica da Publicidade. Lisboa: Edições 70, 2000.
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