[trecho de livro a publicar]
A percepcão crescente sobre a importância dos valores para a conexão emocional entre as marcas e os consumidores deu origem a mais um problema de visão. Ele acomete muitas empresas durante o processo formal de planejamento estratégico.
O modelo mais batido prevê uma declaração de valores ali, bem juntinho da Missão e da Visão de Futuro da organização. Não é raro haver mais de uma reunião de um comitê muito bem remunerado para se chegar a uma lista de palavras bonitas tais como "inovação", "sustentabilidade", "compromisso com a qualidade" e assim por diante.
Nas organizações mais comprometidas com tal abordagem, uma vez concluída a declaração de valores, o departamento de marketing é logo acionado para embutir tais princípios nos produtos, serviços e mensagens. Toda manifestação da marca deve exibir gloriosamente a riqueza da cultura organizacional resumida naquela meia dúzia de palavras mágicas, é o que recomenda a cartilha do modelo de branding cognitivo, onde os valores são tratados como "associações de marca".
Em meio a todo esse ritual sagrado, a empresa terá sorte caso encontre entre os seus profissionais alguém que faça certas perguntas bastante elementares e trabalhosas, mas cruciais. Mais sorte ainda se ele for levado a sério.
A primeira delas é: se os nossos valores são quase sempre muito semelhantes aos valores das empresas do setor, como conseguiremos que o público enxergue o valor da nossa cultura única?
Infelizmente o medo de ficar para trás faz com que as organizações concorrentes imitem umas às outras. Querem um exemplo bastante atual? Quantas construtoras e incorporadoras não se declaram "sustentáveis"? Poucas. Ninguém teria coragem de bater de frente contra o simpático movimento verde.
Então onde está a diferença entre tantas construtoras igualmente sustentáveis, inovadoras, comprometidas com qualidade de vida e com a satisfação dos seus clientes? Por que os consumidores deveriam escolher a construtora A em detrimento de todas as suas irmãs gêmeas?
Bem essa é a pergunta de zilhões de dólares que, muitas vezes, acaba sendo respondida por quem não pode passar a batata quente adiante: o criativo, seja ele o designer de produto ou de experiência, o redator, o diretor de arte e, talvez, o planner.
Sim, talvez o planner. Lembremos apenas que o corpo a corpo contra a indiferença, a frieza e a inércia do consumidor ocorre no momento em que você está discutindo os detalhes formais de cada elemento do mix marketing. Nesse instante, palavras tão banalizadas e abstratas quanto "inovação" e "sustentável" são de pouca serventia. Se o planner limitar-se a elas em seus briefings, ele estará acrescentando muito pouco ao processo de transformar o posicionamento estratégico, que geralmente é um elemento decidido a priori pelo cliente da agência, em histórias e experiências capazes de conectar emocionalmente os consumidores às marcas. Nesse caso, porque ele deveria estar trabalhando do lado de cá e não do lado de lá?
Eis o problema central do modelo de branding cognitivo segundo Douglas Holt: a abordagem sugere a importância das associações simbólicas, mas não oferece orientações práticas sobre como transformar o posicionamento da marca em manifestações de marca, sejam elas um produto, um serviço, um sistema de distribuição, o preço ou um conteúdo publicitário - este é um elo perdido nas abordagens de branding tradicionais, o elo que liga o anunciante à equipe de criação e à mente do cliente.
O que é necessário então? Planners e executivos de marketing precisam participar mais da criação histórias. Não qualquer tipo de história, mas um tipo muito particular de narrativa, o qual costuma garantir os melhores resultados em termos de engajamento dos consumidores para com a marca.
Saiba mais: Branding cultural e storytelling.
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