[trecho de livro a publicar]
Vamos analisar melhor uma variedade muito sutil de miopia de branding. Normalmente ela esconde-se por trás de uma expressão que sensibiliza muita gente: branding emocional. O modelo propõe comunicar as associações de marca por meio de apelos emocionais, destinados a enfatizar a personalidade da marca e construir uma conexão íntima com os consumidores.
Seu ponto cego refere-se a uma omissão recorrente entre os especialistas no assunto: muitas vezes, eles referem-se, de passagem, à necessária ligação com a cultura, mas ignoram a natureza de tal relação e, consequentemente, não tiram vantagem dela.
Vamos direto ao ponto. Acontece que, conforme nos lembra Douglas Holt, os consumidores apegam-se mais àquelas marcas que lhes propõem projetos de identidade capazes de aliviar as tensões existenciais produzidas pelo confronto entre a subjetividade deles e as demandas sociais às quais estão sujeitos em determinado momento histórico - e não por causa de um apelo emocional qualquer.
Complicado? Voltaremos ao assunto, com calma, no próximo capítulo para explicar em linguagem mais coloquial essa tese. Por enquanto, basta lembrar que eventos semelhantes podem provocar emoções muito diferentes em épocas e lugares distantes. A respeito disso, o antropólogo Clifford Geertz não titubeia: "as emoções são artefatos culturais, [pois] sem o guia das imagens exteriorizadas, dos sentimentos falados no ritual, os mitos e a arte, não saberíamos, de fato, como sentir".
De fato, emoção e cultura funcionam de forma muito semelhante e isso tem a ver com o que os psicólogos empíricos chamam de "modo experiencial de conhecimento".
Ao contrário do que ocorre no sistema cogitativo, quando usamos intensamento o raciocínio analítico e deliberado, no "modo experiencial", o pensamento ocorre sem esforço, de forma automática, veloz e não consciente. Assim como ocorre à cultura, ele é um conhecimento tácito que nos liberta de precisar avaliar a cada instante o que convém ou não à circunstância. Seu trabalho, que normalmente chamamos de "intuição", é paralelo e opaco, e sua rapidez resulta da produção de atalhos mentais - denominados heurística -, os quais são acionados pelas emoções em um processo mais ou menos semelhante ao que ocorre quando clicamos sobre ícones numa tela de computador - as emoções funcionam como gatilhos para nos forçar a uma ação rápida e decidida.
Como tais atalhos conectam-se às emoções, eis o x da questão que nos remete à dimensão cultural dos acontecimentos que nos comovem. Porque, como já comentamos, um mesmo evento pode ou não acionar determinada emoção. Depende da cultura! Em certas sociedades, a carne de cachorro pode dar saliva na boca, enquanto, em outras, a ideia pode fazer o sujeito vomitar. Para os homens de uma comunidade, a discussão sobre os aromas e sabores de uma certa seleção de cafés é uma "frescura", enquanto para homens de outro meio é um sinal de "bom gosto" e de capacidade intelectual superior.
Conforme nos lembra Geertz, é tudo uma questão de valores construídos e compartilhados em uma determinada sociedade, percebem?
Leia também: O desafio do branding viral é ser mais cultural.
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