12.10.12

Notas sobre a hipercultura

O conceito de hipercultura anda mal arrumado. Há muita gente metendo a mão nele e a sua construção vai subindo meio torta, meio babel, com cada qual seguindo um dicionário diferente. Tentarei aqui desconstruir, por meio de notas rapidíssimas, alguns tijolos desalinhados.

  • Para Bruno de Souza, doutor em psicologia com uma tese sobre o assunto, a hipercultura é uma nova forma de mediação que passa a incluir entre "os seus mecanismos externos [...] os dispositivos computacionais e seus impactos culturais, enquanto que os mecanismos internos incluem as competências necessárias para o uso eficaz de tais mecanismos externos" (p. 85).

  • O doutor fala de "novas formas de pensamento" e de "um salto evolucionário em desempenho cognitivo" (p. 5).

  • Mais, afirma que as mudanças culturais produzidas pelo uso dos computadores e da internet constituem um fenômeno que difere dramaticamente daquilo que entendemos por cultura.

  • Bem, só se for do que ele entende, pois, do ponto de vista antropológico e semiótico, nossa vida virtual constitui o clímax de uma longa história de conquista da natureza pela cultura: observamos agora uma inflação simbólica sem precedentes.

  • De certo modo, vivemos na matrix desde que começamos a criar artefatos que a mãe terra não nos dá gratuitamente de forma pronta e acabada.

  • Se hoje podemos falar de hipercultura é porque estamos migrando de mala e cuia para um espaço que, ao contrário do ambiente natural, atende aos caprichos da nossa imaginação com extrema docilidade.

  • Nesse sentido, Baudrillard foi mais feliz do que o Bruno de Souza quando nesta entrevista caracterizou a hipercultura como "o espaço-tempo da utopia" que faz desaparecer a fronteira entre o real e o imaginário.

  • Só não posso concordar com o filósofo francês quando ele afirma que a hipercultura "corrói a identidade cultural" porque não dá mais o devido espaço para a distância, a diferença e a alteridade (p. 522).

  • Não preciso ir muito longe em meu contra-argumento. Basta olhar as diferentes tribos que habitam meu feed no Facebook para me convencer de que a internet pode muito bem reforçar distinções culturais. Numa hora, vejo alguns compartilhando textos em defesa do poliamor e da liberação sexual da mulher; noutra, alguém falando sobre a importância de se manter virgem até o casamento e fiel ao cônjuge até que a morte os separe.

  • E o que tem a ver os meus amigos da sociedade alternativa que convocam via Facebook a marcha da maconha com as mães que colocam os seus filhos naquela escola mais conservadora - onde um kit anti-homofobia não passa nem perto da porta - e postam de acordo?

  • Não, a hipercultura não é o fim, mas a terra prometida da identidade cultural, mesmo que em certos momentos se observe uma uniformidade de práticas (lembremos da onipresença do "curtir" neste momento de boom do Facebook no Brasil).

  • A cultura da era da informação é hiper também por causa do "tudo ao mesmo tempo agora". Estamos sempre a um clique ou retweet da tribo mais distante. Talvez por isso Baudrillard tenha falado da erosão da distância necessária para que a diferença cultural exista.

  • Não rejeito totalmente o argumento, mas questiono: qual a mínima distância necessária? Precisa ser física? Não pode ser apenas a distância de uma ideia?

  • Ainda na linha do "tudo ao mesmo tempo agora", o mundo da moda já captou o espírito da coisa e o portal de tendências WGSN decretou que a hipercultura é cool: "múltiplas origens e influências tomam o lugar de culturas singulares". "Uma revolução estética acontece com a costura de raízes culturais [e] a rede global conecta uma nova geração de artistas, designers e pensadores acelerando a evolução cultural", podemos ler no vídeo abaixo.

  • Maravilha. E até onde vai nos levar tal evolução? Essa é fácil: até a elaboração de novas diferenças que dialogam com antigas referências. Querem um exemplo dos efeitos evolucionários da conexão global dos criativos? Leiam o artigo sobre uma grande novidade na cena artística brasileira: a estética do frio desenvolvida em Pelotas por brasileiros globalizados anti-tropicalistas (sic).

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