19.2.15

Arte anti-ironia

Segundo artista, em poucos dias, que vejo questionar a cultura da ironia, tão dominante nestes tempos pós-modernos. O primeiro foi o escritor-revelação peruano Jeremías Gamboa. Agora leio no Estadão este depoimento contundente do Iñárritu, diretor de Birdman, barbada para o Oscar deste ano:
"[...] não escrevi este argumento para atender à maior fonte de cultura popular agora, que é a ironia e o cinismo. Vejo isso nos meus adolescentes; tudo o que é sério, tudo o que é primitivo, é absolutamente rejeitado. Tudo tem que ser levado intelectualmente e com comentário sobre isso. Estou cansado disso. Tentei ser verdadeiro e honesto diante da questão. Seriamente engraçado significa ser verdadeiro."

Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)

As declarações de Jeremías Gamboa seguem a mesma toada, a começar pelo título do seu romance Contar Tudo, recém lançado no Brasil:
"[...] é um livro sem ironia. Depois de algum tempo escrevendo, me dei conta que não era o tipo de autor com humor ácido ou com uma visão irônica das coisas. Pelo contrário. Acredito ter sido testemunha de uma sobrevalorização da ironia e da presença potente de artistas que não a usam, mas que se aproximam à mais pura sinceridade e fé, como os músicos do Arcade Fire. Nesse sentido, estou próximo de uma ideia do escritor israelense David Grossman, que advoga por uma “ingenuidade adquirida”. Parece que em um tempo tão acossado pela ironia, e, sobretudo, pelo cinismo, podemos fazer do romance um campo de resistência para esse tipo de ingenuidade.[...] Me interessa que a literatura ofereça também luzes dentro do contraste da experiência humana, que tente vislumbrar possibilidades de entendimento ou de relações entre pessoas."
O debate não é exatamente pós-moderno como já demonstrou Octavio Paz. Para quem quiser rastrear as idas e vindas da ironia na arte, desde o século XIX até o ocaso das vanguardas no final dos anos 1960, recomendo fortemente a leitura do seu livro Os Filhos do Barro, um ensaio riquíssimo sobre as origens e a evolução da poesia moderna.

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