Héber Sales
Nos últimos anos, vimos cada vez mais campanhas publicitárias com pautas identitárias e valorização da diversidade.
As grandes disputas midiáticas, no entanto, estão terminando com um placar diferente. Tanto nos EUA como no Brasil, as vitórias de Trump e de Bolsonaro sugerem que a maioria anda sentindo falta daquelas grandes narrativas que fazem as pessoas se sentirem parte de algo maior e mais forte do que elas.
Por lá, deu "Make America great again". Por aqui, "Deus acima de todos, o Brasil acima de tudo".
E na publicidade, vai dar o que?
Não ofereço respostas por enquanto, mas duas ressalvas.
A primeira: é preciso observar que, de um modo geral, publicitários costumam ser pessoas mais libertárias, que se identificam naturalmente com as forças centrífugas que geram a diversidade cultural.
Talvez seja difícil para eles captarem o sentido mais profundo do discurso totalizante e autoritário pelo qual a massa se apaixonou.
A segunda ressalva: essa massa não é uma massa tão massiva assim - ela não corresponde a uma maioria sólida. Nos EUA, o placar foi apertado. Por aqui, menor do que os bolsonaristas esperavam.
Lá, dois anos depois, a direita acaba de perder a maioria na Câmara, com um notável avanço não só dos democratas, como também dos socialistas democratas e de candidatos de minorias que jamais tiveram assento no parlamento.
Em que pese o equilíbrio entre conservadores e progressistas, porém, muitas marcas de massa podem estar descobrindo agora que a sua publicidade engajada não tem tanto apelo assim para a outra metade do mercado.
Leia também: Revolução e continuidade na publicidade contemporânea.
10.11.18
7.7.18
O futuro da publicidade e das agências
Héber Sales
Se existe uma pessoa hoje no Brasil com quem vale a pena conversar sobre o futuro da publicidade e das marcas, essa pessoa é a Gal Barradas. Sempre termino nossos papos com a cabeça a mil, cheia de ideias novas. Foi por isso que decidi gravar essa entrevista com ela para o canal do meu grupo de pesquisa. Aproveitem ;)
Se existe uma pessoa hoje no Brasil com quem vale a pena conversar sobre o futuro da publicidade e das marcas, essa pessoa é a Gal Barradas. Sempre termino nossos papos com a cabeça a mil, cheia de ideias novas. Foi por isso que decidi gravar essa entrevista com ela para o canal do meu grupo de pesquisa. Aproveitem ;)
11.6.18
Gal Barradas fala sobre semiótica e publicidade
Héber Sales
Há quase dois anos, inaugurei o Grupo de Pesquisa em Semiótica Aplicada à Publicidade e Propaganda (GPSPP), que é certificado no CNPq pelo UNASP, Centro Universitário Adventista de São Paulo.
Além de investigações científicas, desenvolvemos também estudos para o mercado. É nessa fronteira que produzimos conteúdos como esta entrevista com a Gal Barradas, a única mulher entre os 10 publicitários mais admirados do país.
Além de ser uma empresária de destaque, eleita executiva do ano pelo Prêmio ABP em 2016 , Gal tem uma especialização em semiótica pela Universidade de Paris. Ela é uma daquelas pessoas que, com a mesma desenvoltura, fala tanto ao mercado como à academia.
Na primeira parte da nossa conversa, discutimos então sobre como a semiótica pode contribuir para a publicidade e a propaganda.
O papo foi longo. Por isso, dividimos a entrevista em quatro partes. As demais podem ser vistas em nosso canal do GPSPP no Youtube.
Há quase dois anos, inaugurei o Grupo de Pesquisa em Semiótica Aplicada à Publicidade e Propaganda (GPSPP), que é certificado no CNPq pelo UNASP, Centro Universitário Adventista de São Paulo.
Além de investigações científicas, desenvolvemos também estudos para o mercado. É nessa fronteira que produzimos conteúdos como esta entrevista com a Gal Barradas, a única mulher entre os 10 publicitários mais admirados do país.
Além de ser uma empresária de destaque, eleita executiva do ano pelo Prêmio ABP em 2016 , Gal tem uma especialização em semiótica pela Universidade de Paris. Ela é uma daquelas pessoas que, com a mesma desenvoltura, fala tanto ao mercado como à academia.
Na primeira parte da nossa conversa, discutimos então sobre como a semiótica pode contribuir para a publicidade e a propaganda.
O papo foi longo. Por isso, dividimos a entrevista em quatro partes. As demais podem ser vistas em nosso canal do GPSPP no Youtube.
6.6.18
As eleições do Whatsapp
Héber Sales
Quando muitos esperavam ver, graças à liberação de anúncios dos candidatos na rede, as eleições do Facebook, eis que descobrimos que a principal arena de luta política no Brasil pode ser outra: o Whatsapp.
A greve dos caminhoneiros, organizada de forma horizontal e viral por meio desse aplicativo, parece ser aquele turning point que faltava.
Enquanto o Congresso Nacional discute leis para barrar a onda de fake news no Facebook, fenômeno que ganhou destaque a partir da campanha de Donald Trump nos EUA, os brasileiros se informam cada vez mais por meio do mensageiro instantâneo.
Nele, é mais difícil detectar a origem de uma fake news. Isso porque as mensagens que fluem de um ponto a outro são criptografadas e muitos utilizam um número de telefone pré-pago.
O movimento dos caminhoneiros parece ser mais uma evidência de um processo mais amplo de desinstitucionalização e de crise da representação em nossa sociedade (e não apenas nela).
Alheios aos sindicatos, associações e partidos, a categoria se organizou como uma pirâmide de grupos no Whatsapp. Entre eles, fluía livremente demandas de vários níveis, com a voz local ganhando relevância tanto em termos de pauta quanto de liderança.
O Governo Federal ignorou a nova ordem de coisas e se deu mal ao anunciar precocemente o fim de uma greve que continuou por alguns dias mais. Em São Paulo, o governador, assistido por alguns assessores mais antenados, reconheceu a força do Whatsapp e usou um grupo para reunir representantes da citada pirâmide, conseguindo deste modo uma interlocução mais produtiva e consequente.
Fica aí a lição para partidos, políticos e empresas também. Assim como os cidadãos, os consumidores organizam-se nesse novo meio.
Entre os mais jovens, conforme já discuti, o Facebook perde a relevância como fonte de informação. O Instagram, mídia social em que agora consomem mais conteúdo, é por onde se informam cada vez mais sobre produtos e serviços.
Um estudo da Pública, agência de jornalismo investigativo, informa que os jovens estão se afastando de páginas engajadas e interagindo mais com a imprensa tradicional, que usa uma linguagem mais neutra.
No processo, muitos deles, assim como o público mais adulto, usam o Whatsapp para compartilhar notícias e checar informações. E o cidadão está ficando escolado nisso, aprendendo a lidar com as fake news.
Quando muitos esperavam ver, graças à liberação de anúncios dos candidatos na rede, as eleições do Facebook, eis que descobrimos que a principal arena de luta política no Brasil pode ser outra: o Whatsapp.
A greve dos caminhoneiros, organizada de forma horizontal e viral por meio desse aplicativo, parece ser aquele turning point que faltava.
Enquanto o Congresso Nacional discute leis para barrar a onda de fake news no Facebook, fenômeno que ganhou destaque a partir da campanha de Donald Trump nos EUA, os brasileiros se informam cada vez mais por meio do mensageiro instantâneo.
Nele, é mais difícil detectar a origem de uma fake news. Isso porque as mensagens que fluem de um ponto a outro são criptografadas e muitos utilizam um número de telefone pré-pago.
O movimento dos caminhoneiros parece ser mais uma evidência de um processo mais amplo de desinstitucionalização e de crise da representação em nossa sociedade (e não apenas nela).
Alheios aos sindicatos, associações e partidos, a categoria se organizou como uma pirâmide de grupos no Whatsapp. Entre eles, fluía livremente demandas de vários níveis, com a voz local ganhando relevância tanto em termos de pauta quanto de liderança.
O Governo Federal ignorou a nova ordem de coisas e se deu mal ao anunciar precocemente o fim de uma greve que continuou por alguns dias mais. Em São Paulo, o governador, assistido por alguns assessores mais antenados, reconheceu a força do Whatsapp e usou um grupo para reunir representantes da citada pirâmide, conseguindo deste modo uma interlocução mais produtiva e consequente.
Fica aí a lição para partidos, políticos e empresas também. Assim como os cidadãos, os consumidores organizam-se nesse novo meio.
Entre os mais jovens, conforme já discuti, o Facebook perde a relevância como fonte de informação. O Instagram, mídia social em que agora consomem mais conteúdo, é por onde se informam cada vez mais sobre produtos e serviços.
Um estudo da Pública, agência de jornalismo investigativo, informa que os jovens estão se afastando de páginas engajadas e interagindo mais com a imprensa tradicional, que usa uma linguagem mais neutra.
No processo, muitos deles, assim como o público mais adulto, usam o Whatsapp para compartilhar notícias e checar informações. E o cidadão está ficando escolado nisso, aprendendo a lidar com as fake news.
5.6.18
Como lidar com as fake news
Héber Sales
O problema das leis que vêm aí contra as fake news é definir o que é uma fake news.
Muitos políticos e governantes, quando se sentem acuados por certas notícias hoje em dia, taxam-nas logo de fake news.
Donald Trump, nos EUA, tem essa mania. Várias vezes, quando a imprensa revela dados que sugerem seu envolvimento com práticas fraudulentas, ele simplesmente responde: é fake news.
O desejo de censurar não é privilégio da direita, lembremo-nos. O governo petista, em vários momentos, pensou em regular mais duramente a mídia e, nos países comunistas de ontem e de hoje, nem a imprensa nem os cidadãos têm direito à livre manifestação.
Por aqui, durante o movimento dos caminhoneiros, Temer e seus assessores fizeram pouco caso de notícias que circulavam no Whatsapp sobre a mobilização da categoria.
Da primeira vez, há alguns dias, erraram. A greve continuou, apesar de terem anunciado seu fim após reunião com representantes dos caminhoneiros que pouco representavam (o movimento se organizava horizontalmente por meio do Whatsapp, como um vírus, sem comando central).
Nos últimos dias, monitoraram a rede mais de perto. Vacilantes, afirmavam ontem que provavelmente não haveria paralisação nesta segunda.
Nos grupos dos quais participo, a troca de informações foi intensa. Havia um esforço coletivo para checar o boato. Depois de conversar com um e com outro, quase ninguém acreditava que haveria uma nova greve.
O cidadão esta ficando escolada em fake news e parece muitas vezes mais esperto do que as autoridades na hora de lidar com elas.
De fato, as buscas por "o que é fake news" explodiram no Google desde outubro/2017, o que sugere que o melhor antídoto contra as fake news pode ser simplesmente mais news, e não mais governo.
Dia 19/06, na UFU, vou falar um pouco mais sobre esse assunto durante o XI Workshop GELS. Na minha conferência, abordarei "O signo ideológico na era das mídias sociais: fake news, pós-verdade e plurilinguismo".
Leia também: As eleições do Whatsapp
O problema das leis que vêm aí contra as fake news é definir o que é uma fake news.
Muitos políticos e governantes, quando se sentem acuados por certas notícias hoje em dia, taxam-nas logo de fake news.
Donald Trump, nos EUA, tem essa mania. Várias vezes, quando a imprensa revela dados que sugerem seu envolvimento com práticas fraudulentas, ele simplesmente responde: é fake news.
O desejo de censurar não é privilégio da direita, lembremo-nos. O governo petista, em vários momentos, pensou em regular mais duramente a mídia e, nos países comunistas de ontem e de hoje, nem a imprensa nem os cidadãos têm direito à livre manifestação.
Por aqui, durante o movimento dos caminhoneiros, Temer e seus assessores fizeram pouco caso de notícias que circulavam no Whatsapp sobre a mobilização da categoria.
Da primeira vez, há alguns dias, erraram. A greve continuou, apesar de terem anunciado seu fim após reunião com representantes dos caminhoneiros que pouco representavam (o movimento se organizava horizontalmente por meio do Whatsapp, como um vírus, sem comando central).
Nos últimos dias, monitoraram a rede mais de perto. Vacilantes, afirmavam ontem que provavelmente não haveria paralisação nesta segunda.
Nos grupos dos quais participo, a troca de informações foi intensa. Havia um esforço coletivo para checar o boato. Depois de conversar com um e com outro, quase ninguém acreditava que haveria uma nova greve.
O cidadão esta ficando escolada em fake news e parece muitas vezes mais esperto do que as autoridades na hora de lidar com elas.
De fato, as buscas por "o que é fake news" explodiram no Google desde outubro/2017, o que sugere que o melhor antídoto contra as fake news pode ser simplesmente mais news, e não mais governo.
Dia 19/06, na UFU, vou falar um pouco mais sobre esse assunto durante o XI Workshop GELS. Na minha conferência, abordarei "O signo ideológico na era das mídias sociais: fake news, pós-verdade e plurilinguismo".
Leia também: As eleições do Whatsapp
27.4.18
As histórias que importam na publicidade
Héber Sales
Algumas histórias interessam mais à uma marca pós-moderna, que tenha alto teor simbólico e valor de marca, do tipo que se torna um ícone cultural. São histórias que podem ser contadas por qualquer negócio, por mais local que seja. Não é preciso um grande budget. Uma rede de mercados de bairro, suponhamos.
O setor cresce continuamente nos grandes centros há alguns anos. A que se deve o boom? Não há uma só explicação. Depende do referencial que você usa (sim, o referencial importa na pesquisa de propaganda tanto quanto na pesquisa científica). Se não, vejamos.
Caso você seja um economista, provavelmente talvez vá entender a coisa pelo prisma da relação custo/benefício e concluirá que, para compras menores, o tempo e o dinheiro gastos para ir até um atacadão não compensa os preços extremamente baixos. Melhor comprar o pão, o leite e alguma guloseima no mercado de bairro mesmo.
Se você for um psicólogo, é bem capaz de pensar em coisas como: os pais compram tais guloseimas quando vão para casa como uma estratégia para aplacar a culpa que sentem por passar tanto tempo longe dos pequenos.
Por outro lado, em um estudo antropológico, o comportamento será encarado como um ritual que fixa significados que dão sentido à vida pessoal e familiar dos envolvidos. Chegar em casa com um quitute diferente, o pão quentinho e um pouco mais de manteiga, que acabou rápido demais desde a última compra do mês, é uma pequena celebração por um dia que termina bem, com todos juntos mais uma vez, embora o mundo lá fora esteja tão difícil e perigoso.
Qualquer uma dessas três pesquisas poderia inspirar uma campanha? Depende da marca, do seu posicionamento ou autoridade cultural e da sua estratégia competitiva. Especulemos.
Uma rede local de pequenos mercados de bairro dificilmente teria a escala necessária para bater a concorrência praticando os preços mais baixos da categoria. Dependendo do desconto, não convenceria nem mesmo o comprador a se desviar do seu caminho um pouco para ir até o bairro vizinho. Ela não existe para vender somente produtos, mas conveniência.
Se o seu sortimento tem alguns produtos diferenciados, únicos, com uma qualidade notável, e o seu pessoal recebe os clientes com alegria e camaradagem, usar o apelo sugerido pelo psicólogo pode ser depressivo, disfórico. Ninguém vai as compras para se entristecer com reflexões angustiantes, não é mesmo? A menos que esteja pagando por filmes de terror e dramas densos.
Ao invés de falar de problemas e neuroses, não faz muito mais sentido falar dos significados descobertos pelo antropólogo em uma etnografia, os quais dão um sentido reconfortante e animador para vida familiar?
Obviamente, há outros tipos de campanhas no mundo da publicidade e da propaganda, mas não para uma marca que queira ganhar as pessoas pela emoção e pelo afeto, se tornar uma lovemark e se firmar como ícone cultural. Ela tem que praticar branding hipercultural.
Leia ainda: Ligando os pontos na publicidade de um museu.
Algumas histórias interessam mais à uma marca pós-moderna, que tenha alto teor simbólico e valor de marca, do tipo que se torna um ícone cultural. São histórias que podem ser contadas por qualquer negócio, por mais local que seja. Não é preciso um grande budget. Uma rede de mercados de bairro, suponhamos.
O setor cresce continuamente nos grandes centros há alguns anos. A que se deve o boom? Não há uma só explicação. Depende do referencial que você usa (sim, o referencial importa na pesquisa de propaganda tanto quanto na pesquisa científica). Se não, vejamos.
Caso você seja um economista, provavelmente talvez vá entender a coisa pelo prisma da relação custo/benefício e concluirá que, para compras menores, o tempo e o dinheiro gastos para ir até um atacadão não compensa os preços extremamente baixos. Melhor comprar o pão, o leite e alguma guloseima no mercado de bairro mesmo.
Se você for um psicólogo, é bem capaz de pensar em coisas como: os pais compram tais guloseimas quando vão para casa como uma estratégia para aplacar a culpa que sentem por passar tanto tempo longe dos pequenos.
Por outro lado, em um estudo antropológico, o comportamento será encarado como um ritual que fixa significados que dão sentido à vida pessoal e familiar dos envolvidos. Chegar em casa com um quitute diferente, o pão quentinho e um pouco mais de manteiga, que acabou rápido demais desde a última compra do mês, é uma pequena celebração por um dia que termina bem, com todos juntos mais uma vez, embora o mundo lá fora esteja tão difícil e perigoso.
Qualquer uma dessas três pesquisas poderia inspirar uma campanha? Depende da marca, do seu posicionamento ou autoridade cultural e da sua estratégia competitiva. Especulemos.
Uma rede local de pequenos mercados de bairro dificilmente teria a escala necessária para bater a concorrência praticando os preços mais baixos da categoria. Dependendo do desconto, não convenceria nem mesmo o comprador a se desviar do seu caminho um pouco para ir até o bairro vizinho. Ela não existe para vender somente produtos, mas conveniência.
Se o seu sortimento tem alguns produtos diferenciados, únicos, com uma qualidade notável, e o seu pessoal recebe os clientes com alegria e camaradagem, usar o apelo sugerido pelo psicólogo pode ser depressivo, disfórico. Ninguém vai as compras para se entristecer com reflexões angustiantes, não é mesmo? A menos que esteja pagando por filmes de terror e dramas densos.
Ao invés de falar de problemas e neuroses, não faz muito mais sentido falar dos significados descobertos pelo antropólogo em uma etnografia, os quais dão um sentido reconfortante e animador para vida familiar?
Obviamente, há outros tipos de campanhas no mundo da publicidade e da propaganda, mas não para uma marca que queira ganhar as pessoas pela emoção e pelo afeto, se tornar uma lovemark e se firmar como ícone cultural. Ela tem que praticar branding hipercultural.
Leia ainda: Ligando os pontos na publicidade de um museu.
25.4.18
O signo ideológico na era das mídias sociais: pós-verdade, fake news e plurilinguismo
Héber Sales
A noção de signo ideológico é a perspectiva a partir da qual costumo encarar o debate sobre 'pós-verdade' e 'fake news' na era das mídias sociais.
Para Bakhtin/Volochinov, o signo funciona como uma arena em que diferentes grupos sociais se enfrentam em inesgotáveis negociações de sentido. A diversidade ideológica observada em tais disputas pode ser relacionada, no âmbito do pensamento bakhtiniano, ao conceito de plurilinguismo ou polifonia: uma língua seria na realidade composta por várias línguas, cada uma delas relativa a uma classe social. Longe de ser um problema, a variação linguística daí resultante é o que mantém a cultura viva, em movimento, pois os efeitos de sentido de um enunciado dependem em grande parte das relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados, tanto aqueles que o precedem como os que a ele respondem em uma cadeia discursiva.
A partir dessas considerações, questiono até que ponto a cultura da pós-verdade é de fato uma ameaça à racionalidade humana. A circulação de 'fatos alternativos' nas mídias sociais, que, em algumas situações, são considerados 'fake news', seria mesmo um fenômeno estranho à nossa condição de seres sociais ou se trata somente de mais uma evidência da natureza ideológica do signo e da linguagem? A propósito, qual seria precisamente a diferença entre 'fatos alternativos' e 'fake news'?
E o que dizer das 'guerras culturais' que tomaram conta da rede? Não seriam elas uma manifestação extrema do dialogismo e da polifonia que caracterizam toda língua viva? Finalmente, quanto à verdade, como conciliar a nossa busca por conhecimento nas ciências humanas com a possibilidade de que, como propõe Mikhail Bakhtin, os signos por meio dos quais representamos a realidade não somente a refletem como também a refratam?
Neste momento, preparo uma conferência sobre o assunto para o XI Workshop do Grupo de Estudo e Pesquisa em Linguagem e Subjetividade (GELS), sediado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nela, discutirei como, em alguns casos concretos, as ideias do filósofo russo e dos seus colegas do Círculo podem nos ajudar a abordar tais perguntas. Espero compartilhar em seguida aqui mesmo no blog todo o conteúdo da palestra.
Leia também: O artista, o cientista e o evangelista.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas de poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. (Revista). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
_______________. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017 (1a. edição).
_______________; VOLOCHINOV, Valentin N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Trad. Michel Lahub e Yara Frateschi Vieira. 16.ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
A noção de signo ideológico é a perspectiva a partir da qual costumo encarar o debate sobre 'pós-verdade' e 'fake news' na era das mídias sociais.
Para Bakhtin/Volochinov, o signo funciona como uma arena em que diferentes grupos sociais se enfrentam em inesgotáveis negociações de sentido. A diversidade ideológica observada em tais disputas pode ser relacionada, no âmbito do pensamento bakhtiniano, ao conceito de plurilinguismo ou polifonia: uma língua seria na realidade composta por várias línguas, cada uma delas relativa a uma classe social. Longe de ser um problema, a variação linguística daí resultante é o que mantém a cultura viva, em movimento, pois os efeitos de sentido de um enunciado dependem em grande parte das relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados, tanto aqueles que o precedem como os que a ele respondem em uma cadeia discursiva.
A partir dessas considerações, questiono até que ponto a cultura da pós-verdade é de fato uma ameaça à racionalidade humana. A circulação de 'fatos alternativos' nas mídias sociais, que, em algumas situações, são considerados 'fake news', seria mesmo um fenômeno estranho à nossa condição de seres sociais ou se trata somente de mais uma evidência da natureza ideológica do signo e da linguagem? A propósito, qual seria precisamente a diferença entre 'fatos alternativos' e 'fake news'?
E o que dizer das 'guerras culturais' que tomaram conta da rede? Não seriam elas uma manifestação extrema do dialogismo e da polifonia que caracterizam toda língua viva? Finalmente, quanto à verdade, como conciliar a nossa busca por conhecimento nas ciências humanas com a possibilidade de que, como propõe Mikhail Bakhtin, os signos por meio dos quais representamos a realidade não somente a refletem como também a refratam?
Neste momento, preparo uma conferência sobre o assunto para o XI Workshop do Grupo de Estudo e Pesquisa em Linguagem e Subjetividade (GELS), sediado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nela, discutirei como, em alguns casos concretos, as ideias do filósofo russo e dos seus colegas do Círculo podem nos ajudar a abordar tais perguntas. Espero compartilhar em seguida aqui mesmo no blog todo o conteúdo da palestra.
Leia também: O artista, o cientista e o evangelista.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas de poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. (Revista). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
_______________. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017 (1a. edição).
_______________; VOLOCHINOV, Valentin N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Trad. Michel Lahub e Yara Frateschi Vieira. 16.ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
21.1.18
Liberdade de expressão e apologia na arte
Héber Sales
O Rodrigo Cássio Oliveira, filósofo e colunista do Estadão, é uma das pessoas com quem mais aprendo hoje em dia nesse debate sobre arte e liberdade de expressão, embora, conforme ficará claro mais adiante, eu tenha algumas ressalvas às teses dele.
Antes, porém, para melhor entendimento do que escrevo neste post, recomendo a leitura prévia de dois textos dele: MC Diguinho e as contradições da esquerda e Liberdade de expressão: respostas a algumas objeções.
De um modo geral, concordo com o seu argumento de que a busca por "espaços seguros" tende a descambar para um autoritarismo repleto de preconceitos sobre o outro.
Também admito que é um equívoco subordinar juízos estéticos a juízos morais, embora não por motivos ontológicos, mas sócio-históricos. Explico-me a seguir.
Não vejo como separar completamente uma coisa da outra, pois, assim como argumenta Bakhtin, considero que arte, religião, ciência, direito, política, etc, são parte da unidade da cultura humana e tornam-se campos peculiares justamente pelos contrastes que há entre eles dentro de tal unidade.
Assim, enxergo que a grande autonomia que a arte têm hoje é uma conquista social, política e histórica da criatividade humana, que se manifesta também no discurso da vida, do cotidiano, onde as pessoas exercem sua liberdade por meio de jogos de linguagem cheios de paródias, ironias, metáforas, dentre outros, isto é, afastando-se da ditadura da literalidade e desafiando as forças centrípetas que negam a diversidade e o livre arbítrio humanos.
A propósito, a existência da literalidade pode ser questionada aqui. Parece-me, na verdade, um conceito eivado de ideologia. Precisamos lembrar então de estudos linguísticos que vêem toda a linguagem humana como sendo de natureza metafórica, a começar pelo já citado Bakhtin e seguindo com Barthes, dentre outros.
Outro ponto que ainda acho válido discutir é o uso do modo imperativo em discursos persuasivos. Na propaganda, por exemplo, há estudos que indicam a força do imperativo, como também há pesquisas que apontam para a importância do poético no trabalho de influência (o João Carrascoza, em seus livros sobre redação e estratégias criativas na publicidade, escreve bastante sobre essa diferença entre o discurso apolíneo e o discurso dionisíaco).
Aliás, a a linguagem figurada é um recurso empregado abundantemente em livros sagrados bastante persuasivos como a Bíblia, o Alcorão, os sutras, além de narrativas mitológicas que fazem parte da construção social da realidade de muitos povos (os gregos na época de Homero por exemplo).
Enfim, não é preciso ser literal, nem imperativo, para exercer uma influência profunda sobre as pessoas - talvez seja o contrário disso.
Segundo interpreto, nos textos, o Rodrigo, reconhece a dimensão social da arte e do entretenimento enquanto manifestação estética. É o que ocorre quando ele menciona a base social a partir da qual o funk se apresenta como uma manifestação estética, aspecto que merece mais consideração no debate público que há hoje em dia sobre o tema.
Intervenção de Banksy em New York (2013) |
O Rodrigo Cássio Oliveira, filósofo e colunista do Estadão, é uma das pessoas com quem mais aprendo hoje em dia nesse debate sobre arte e liberdade de expressão, embora, conforme ficará claro mais adiante, eu tenha algumas ressalvas às teses dele.
Antes, porém, para melhor entendimento do que escrevo neste post, recomendo a leitura prévia de dois textos dele: MC Diguinho e as contradições da esquerda e Liberdade de expressão: respostas a algumas objeções.
De um modo geral, concordo com o seu argumento de que a busca por "espaços seguros" tende a descambar para um autoritarismo repleto de preconceitos sobre o outro.
Também admito que é um equívoco subordinar juízos estéticos a juízos morais, embora não por motivos ontológicos, mas sócio-históricos. Explico-me a seguir.
Não vejo como separar completamente uma coisa da outra, pois, assim como argumenta Bakhtin, considero que arte, religião, ciência, direito, política, etc, são parte da unidade da cultura humana e tornam-se campos peculiares justamente pelos contrastes que há entre eles dentro de tal unidade.
Assim, enxergo que a grande autonomia que a arte têm hoje é uma conquista social, política e histórica da criatividade humana, que se manifesta também no discurso da vida, do cotidiano, onde as pessoas exercem sua liberdade por meio de jogos de linguagem cheios de paródias, ironias, metáforas, dentre outros, isto é, afastando-se da ditadura da literalidade e desafiando as forças centrípetas que negam a diversidade e o livre arbítrio humanos.
A propósito, a existência da literalidade pode ser questionada aqui. Parece-me, na verdade, um conceito eivado de ideologia. Precisamos lembrar então de estudos linguísticos que vêem toda a linguagem humana como sendo de natureza metafórica, a começar pelo já citado Bakhtin e seguindo com Barthes, dentre outros.
Outro ponto que ainda acho válido discutir é o uso do modo imperativo em discursos persuasivos. Na propaganda, por exemplo, há estudos que indicam a força do imperativo, como também há pesquisas que apontam para a importância do poético no trabalho de influência (o João Carrascoza, em seus livros sobre redação e estratégias criativas na publicidade, escreve bastante sobre essa diferença entre o discurso apolíneo e o discurso dionisíaco).
Aliás, a a linguagem figurada é um recurso empregado abundantemente em livros sagrados bastante persuasivos como a Bíblia, o Alcorão, os sutras, além de narrativas mitológicas que fazem parte da construção social da realidade de muitos povos (os gregos na época de Homero por exemplo).
Enfim, não é preciso ser literal, nem imperativo, para exercer uma influência profunda sobre as pessoas - talvez seja o contrário disso.
Segundo interpreto, nos textos, o Rodrigo, reconhece a dimensão social da arte e do entretenimento enquanto manifestação estética. É o que ocorre quando ele menciona a base social a partir da qual o funk se apresenta como uma manifestação estética, aspecto que merece mais consideração no debate público que há hoje em dia sobre o tema.
11.1.18
Para onde vai a sociedade em 2018
Héber Sales
Fim de ano. Queremos saber o que nos aguarda em 2018. Como podemos descobrir o que vai ser da sociedade nos próximos anos? Notem o seguinte.
Quanto mais urbanos ficamos, mais valor damos à natureza. Quanto mais virtuais, mais buscamos a vida real. Quanto mais fragmentados nas redes sociais on-line, mais assistimos à TV aberta.
Como se vê, há um modo relativamente confiável de prever certo tipo de mudança: uma vez consolidada, uma tendência alimentará em breve uma força contrária.
O princípio não é novo. O "Tao Te Ching", escrito 3 séculos A.C., já falava dele. A teoria dialógica de Mikhail Bakhtin, no século passado, também, com sua ideia de interação entre forças centrípetas e forças centrífugas no campo sociocultural.
Esse co-surgimento de tendências opostas, porém, não é um dado da natureza, mas depende de como a nossa mente discursiva e linguageira compreende os fenômenos: dialogicamente.
O movimento da Nova Direita no Brasil, por exemplo, só pode ser plenamente entendido como uma resposta a muitos anos de hegemonia da esquerda no meio intelectual e artístico e, durante o governo do PT, nas políticas públicas.
Diante de sua ascensão, podemos esperar um declínio da esquerda? Acho improvável. É mais certo haver uma reinvenção da esquerda, o que nos levaria à próxima etapa do jogo dialógico: o surgimento de uma Nova Esquerda.
Para quem acha que a Nova Direita está avançando irresistívelmente, recomendo alguns exercícios rápidos no Google Trends, onde é fácil observar que o interesse por conteúdos de esquerda nos últimos anos cresce no mesmo ritmo acelerado do interesse em informações da direita.
Obviamente, não se trata apenas de uma disputa ideológica. Interesses de classe podem levar a situações como a que assistimos durante o governo Lula: muitos dos seus aliados, que eram (e são) conservadores, podiam até não concordar com propostas como a inclusão de debates sobre gênero no currículo escolar, mas não se opunham abertamente a elas por priorizarem outros ganhos nessa aliança com o petismo.
Outra evidência histórica das relações entre cultura, poder e economia é o surgimento e o fortalecimento do sistema de moda no ocidente desde o século XV. A quem interessava a valorização da novidade em detrimento da tradição e do imobilismo? À emergente burguesia mercantil, que enxerga na nova orientação ideológica uma justificativa e uma oportunidade de se tornar uma classe dominante.
É por coisas assim que eu sugiro: se você quiser descobrir qual será a próxima onda, busque por forças centrífugas que estão desafiando, com base em um mindset alternativo, tendências já consolidadas e reconhecidas. Comece por aquelas forças que se opõe a elas mais frontalmente. Um monitoramento competente do que as pessoas estão buscando, comentando e fazendo na internet pode ajudar muito nisso.
Para ir além nos conceitos que apliquei neste texto, recomendo três leituras:
- Dois livros de Bakhtin/Volochinov: "O Freudismo" e "Marxismo e Filosofia da Linguagem", que propõem o dialogismo e discutem a dinâmica das forças socioideológicas.
- O livro "Cultura e Consumo", de Grant McCracken, que propõem um modelo de manufatura e movimento de significados na sociedade do consumo.
Fim de ano. Queremos saber o que nos aguarda em 2018. Como podemos descobrir o que vai ser da sociedade nos próximos anos? Notem o seguinte.
Quanto mais urbanos ficamos, mais valor damos à natureza. Quanto mais virtuais, mais buscamos a vida real. Quanto mais fragmentados nas redes sociais on-line, mais assistimos à TV aberta.
Como se vê, há um modo relativamente confiável de prever certo tipo de mudança: uma vez consolidada, uma tendência alimentará em breve uma força contrária.
O princípio não é novo. O "Tao Te Ching", escrito 3 séculos A.C., já falava dele. A teoria dialógica de Mikhail Bakhtin, no século passado, também, com sua ideia de interação entre forças centrípetas e forças centrífugas no campo sociocultural.
Esse co-surgimento de tendências opostas, porém, não é um dado da natureza, mas depende de como a nossa mente discursiva e linguageira compreende os fenômenos: dialogicamente.
O movimento da Nova Direita no Brasil, por exemplo, só pode ser plenamente entendido como uma resposta a muitos anos de hegemonia da esquerda no meio intelectual e artístico e, durante o governo do PT, nas políticas públicas.
Diante de sua ascensão, podemos esperar um declínio da esquerda? Acho improvável. É mais certo haver uma reinvenção da esquerda, o que nos levaria à próxima etapa do jogo dialógico: o surgimento de uma Nova Esquerda.
Para quem acha que a Nova Direita está avançando irresistívelmente, recomendo alguns exercícios rápidos no Google Trends, onde é fácil observar que o interesse por conteúdos de esquerda nos últimos anos cresce no mesmo ritmo acelerado do interesse em informações da direita.
Obviamente, não se trata apenas de uma disputa ideológica. Interesses de classe podem levar a situações como a que assistimos durante o governo Lula: muitos dos seus aliados, que eram (e são) conservadores, podiam até não concordar com propostas como a inclusão de debates sobre gênero no currículo escolar, mas não se opunham abertamente a elas por priorizarem outros ganhos nessa aliança com o petismo.
Outra evidência histórica das relações entre cultura, poder e economia é o surgimento e o fortalecimento do sistema de moda no ocidente desde o século XV. A quem interessava a valorização da novidade em detrimento da tradição e do imobilismo? À emergente burguesia mercantil, que enxerga na nova orientação ideológica uma justificativa e uma oportunidade de se tornar uma classe dominante.
É por coisas assim que eu sugiro: se você quiser descobrir qual será a próxima onda, busque por forças centrífugas que estão desafiando, com base em um mindset alternativo, tendências já consolidadas e reconhecidas. Comece por aquelas forças que se opõe a elas mais frontalmente. Um monitoramento competente do que as pessoas estão buscando, comentando e fazendo na internet pode ajudar muito nisso.
Para ir além nos conceitos que apliquei neste texto, recomendo três leituras:
- Dois livros de Bakhtin/Volochinov: "O Freudismo" e "Marxismo e Filosofia da Linguagem", que propõem o dialogismo e discutem a dinâmica das forças socioideológicas.
- O livro "Cultura e Consumo", de Grant McCracken, que propõem um modelo de manufatura e movimento de significados na sociedade do consumo.
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