Héber Sales
A noção de signo ideológico é a perspectiva a partir da qual costumo encarar o debate sobre 'pós-verdade' e 'fake news' na era das mídias sociais.
Para Bakhtin/Volochinov, o signo funciona como uma arena em que diferentes grupos sociais se enfrentam em inesgotáveis negociações de sentido. A diversidade ideológica observada em tais disputas pode ser relacionada, no âmbito do pensamento bakhtiniano, ao conceito de plurilinguismo ou polifonia: uma língua seria na realidade composta por várias línguas, cada uma delas relativa a uma classe social. Longe de ser um problema, a variação linguística daí resultante é o que mantém a cultura viva, em movimento, pois os efeitos de sentido de um enunciado dependem em grande parte das relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados, tanto aqueles que o precedem como os que a ele respondem em uma cadeia discursiva.
A partir dessas considerações, questiono até que ponto a cultura da pós-verdade é de fato uma ameaça à racionalidade humana. A circulação de 'fatos alternativos' nas mídias sociais, que, em algumas situações, são considerados 'fake news', seria mesmo um fenômeno estranho à nossa condição de seres sociais ou se trata somente de mais uma evidência da natureza ideológica do signo e da linguagem? A propósito, qual seria precisamente a diferença entre 'fatos alternativos' e 'fake news'?
E o que dizer das 'guerras culturais' que tomaram conta da rede? Não seriam elas uma manifestação extrema do dialogismo e da polifonia que caracterizam toda língua viva? Finalmente, quanto à verdade, como conciliar a nossa busca por conhecimento nas ciências humanas com a possibilidade de que, como propõe Mikhail Bakhtin, os signos por meio dos quais representamos a realidade não somente a refletem como também a refratam?
Neste momento, preparo uma conferência sobre o assunto para o XI Workshop do Grupo de Estudo e Pesquisa em Linguagem e Subjetividade (GELS), sediado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nela, discutirei como, em alguns casos concretos, as ideias do filósofo russo e dos seus colegas do Círculo podem nos ajudar a abordar tais perguntas. Espero compartilhar em seguida aqui mesmo no blog todo o conteúdo da palestra.
Leia também: O artista, o cientista e o evangelista.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas de poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. (Revista). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
_______________. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017 (1a. edição).
_______________; VOLOCHINOV, Valentin N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Trad. Michel Lahub e Yara Frateschi Vieira. 16.ed. São Paulo: Hucitec, 2014.
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