8.4.12

Identidade, branding e literatura

Tenho abordado e defendido neste blog um tipo de branding baseado na construção de mitos de identidade, o chamado branding cultural. Por mais arte que haja no processo de contar tais histórias, entretanto, não me engano - muito menos quero enganar vocês - sobre a sua falta de arte.

A publicidade tem se apropriado de recursos e técnicas literárias, muitas agências esbanjam um poder narrativo digno do melhor cinema, mas toda essa "arte", convenhamos, serve, quase sempre, apenas para estetizar estereótipos de domínio público ou de uma cultura em particular, permanecendo muito aquém do nível de questionamento e elaboração a que se propõe a "verdadeira" arte ("verdadeira" assim, entre aspas, porque nem mesmo os artistas se entendem sobre o que seja exatamente a arte). 

No que se refere ao problema da identidade mesmo, observem como o assunto é tratado por Bernardo Carvalho, um dos mais celebrados escritores brasileiros em atividade, autor de romances como MongóliaNove Noites e O Sol se põe em São Paulo, livros em que, segundo o próprio autor, "os personagens fogem o tempo inteiro de si mesmos, da identidade que lhes foi imposta ou que pode defini-los":
"[...] na literatura, me parece que estou perdendo o fundamental ao me contentar com as identidades. O papel das identidades é apaziguar, tornar a vida mais fácil. A identidade é simplificadora. Você se reconhece no grupo e esse reconhecimento o protege e confirma o que você é quem acreditar ser e pertence ao lugar ao qual acredita pertencer. É muito mais fácil ter um lar e uma pátria do que ser estrangeiro para sempre. Mas quando você se sente em casa, confortável, deixa de fazer um monte de perguntas que antes não tinham resposta ou eram insuportáveis. E, se você já não tem dúvidas, tampouco precisa de literatura."

Referência:

MATTOS, Bruno e MACHADO, Samir Machado de. Entrevista com Bernardo Carvalho. Cadernos de Não-Ficção, Porto Alegre: Não Editora, Ano 5, Número 4, p. 7, 2012.

2 comentários:

  1. Belo texto, Héber. E ainda tem uns gancho que aposto que você vai trabalhar em outros posts. Afinal, essa ideia do "sentido original/verdadeiro da arte" dá muito pano pra manga - tem até um texto legal sobre como o que entendemos como "arte" hoje tem pouco ou nada a ver com o conceito de "ars" do latim, do qual o termo se deriva. Acho que a leitura pode te interessar[1]. E também a ideia de que a arte é, per si, questionadora. Ora, nos nossos dias temos visto bem, por diversas vezes, xs artistas posicionando seus discursos como pilastras a sustentar o status quo. Acho que sua habilidade textual pode ser contribuir para tais debates, caso se debruce sobre eles.

    Eu não sei você, mas pensar sobre isso me despertou algumas dúvidas. Preciso de literatura, rs.

    [1] TABOSA, Adriana. A Perda do Conceito Original de Arte. In: O Olho da História, Ano 1, Número 8. Disponível para download em: http://ow.ly/a8SPo

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  2. Muito interessante, Júlio. Tendo a compartilhar a tese de que toda a arte deve ser essencialmente livre - um exercício de criatividade cultural que transcende a dicotomia entre o individual e o coletivo (já te mostrei um texto meu em que trato dessa transcendência ao discutir a dimensão social da arte?).

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