27.4.18

As histórias que importam na publicidade

Héber Sales


Algumas histórias interessam mais à uma marca pós-moderna, que tenha alto teor simbólico e valor de marca, do tipo que se torna um ícone cultural. São histórias que podem ser contadas por qualquer negócio, por mais local que seja. Não é preciso um grande budget. Uma rede de mercados de bairro, suponhamos.

O setor cresce continuamente nos grandes centros há alguns anos. A que se deve o boom? Não há uma só explicação. Depende do referencial que você usa (sim, o referencial importa na pesquisa de propaganda tanto quanto na pesquisa científica). Se não, vejamos.



Caso você seja um economista, provavelmente talvez vá entender a coisa pelo prisma da relação custo/benefício e concluirá que, para compras menores, o tempo e o dinheiro gastos para ir até um atacadão não compensa os preços extremamente baixos. Melhor comprar o pão, o leite e alguma guloseima no mercado de bairro mesmo.

Se você for um psicólogo, é bem capaz de pensar em coisas como: os pais compram tais guloseimas quando vão para casa como uma estratégia para aplacar a culpa que sentem por passar tanto tempo longe dos pequenos.

Por outro lado, em um estudo antropológico, o comportamento será encarado como um ritual que fixa significados que dão sentido à vida pessoal e familiar dos envolvidos. Chegar em casa com um quitute diferente, o pão quentinho e um pouco mais de manteiga, que acabou rápido demais desde a última compra do mês, é uma pequena celebração por um dia que termina bem, com todos juntos mais uma vez, embora o mundo lá fora esteja tão difícil e perigoso.

Qualquer uma dessas três pesquisas poderia inspirar uma campanha? Depende da marca, do seu posicionamento ou autoridade cultural e da sua estratégia competitiva. Especulemos.

Uma rede local de pequenos mercados de bairro dificilmente teria a escala necessária para bater a concorrência praticando os preços mais baixos da categoria. Dependendo do desconto, não convenceria nem mesmo o comprador a se desviar do seu caminho um pouco para ir até o bairro vizinho. Ela não existe para vender somente produtos, mas conveniência.

Se o seu sortimento tem alguns produtos diferenciados, únicos, com uma qualidade notável, e o seu pessoal recebe os clientes com alegria e camaradagem, usar o apelo sugerido pelo psicólogo pode ser depressivo, disfórico. Ninguém vai as compras para se entristecer com reflexões angustiantes, não é mesmo? A menos que esteja pagando por filmes de terror e dramas densos.

Ao invés de falar de problemas e neuroses, não faz muito mais sentido falar dos significados descobertos pelo antropólogo em uma etnografia, os quais dão um sentido reconfortante e animador para vida familiar?

Obviamente, há outros tipos de campanhas no mundo da publicidade e da propaganda, mas não para uma marca que queira ganhar as pessoas pela emoção e pelo afeto, se tornar uma lovemark e se firmar como ícone cultural. Ela tem que praticar branding hipercultural.

Leia ainda: Ligando os pontos na publicidade de um museu.





25.4.18

O signo ideológico na era das mídias sociais: pós-verdade, fake news e plurilinguismo

Héber Sales


A noção de signo ideológico é a perspectiva a partir da qual costumo encarar o debate sobre 'pós-verdade' e 'fake news' na era das mídias sociais.

Para Bakhtin/Volochinov, o signo funciona como uma arena em que diferentes grupos sociais se enfrentam em inesgotáveis negociações de sentido. A diversidade ideológica observada em tais disputas pode ser relacionada, no âmbito do pensamento bakhtiniano, ao conceito de plurilinguismo ou polifonia: uma língua seria na realidade composta por várias línguas, cada uma delas relativa a uma classe social. Longe de ser um problema, a variação linguística daí resultante é o que mantém a cultura viva, em movimento, pois os efeitos de sentido de um enunciado dependem em grande parte das relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados, tanto aqueles que o precedem como os que a ele respondem em uma cadeia discursiva.



A partir dessas considerações, questiono até que ponto a cultura da pós-verdade é de fato uma ameaça à racionalidade humana. A circulação de 'fatos alternativos' nas mídias sociais, que, em algumas situações, são considerados 'fake news', seria mesmo um fenômeno estranho à nossa condição de seres sociais ou se trata somente de mais uma evidência da natureza ideológica do signo e da linguagem? A propósito, qual seria precisamente a diferença entre 'fatos alternativos' e 'fake news'?

E o que dizer das 'guerras culturais' que tomaram conta da rede? Não seriam elas uma manifestação extrema do dialogismo e da polifonia que caracterizam toda língua viva? Finalmente, quanto à verdade, como conciliar a nossa busca por conhecimento nas ciências humanas com a possibilidade de que, como propõe Mikhail Bakhtin, os signos por meio dos quais representamos a realidade não somente a refletem como também a refratam?

Neste momento, preparo uma conferência sobre o assunto para o XI Workshop do Grupo de Estudo e Pesquisa em Linguagem e Subjetividade (GELS), sediado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Nela, discutirei como, em alguns casos concretos, as ideias do filósofo russo e dos seus colegas do Círculo podem nos ajudar a abordar tais perguntas. Espero compartilhar em seguida aqui mesmo no blog todo o conteúdo da palestra.

Leia também: O artista, o cientista e o evangelista.


REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Problemas de poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. 5. ed. (Revista). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

_______________. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra; notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017 (1a. edição).

_______________; VOLOCHINOV, Valentin N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Trad. Michel Lahub e Yara Frateschi Vieira. 16.ed. São Paulo: Hucitec, 2014.