"Il poeta e il filosofo", Giorgio de Chirico (1916) |
O artista, o cientista e o evangelista. Três intérpretes da condição humana, três diferentes destinos do ato de interpretação na unidade da cultura.
Sobre as dificuldades e conflitos do amor, por exemplo, o cientista quer identificar a realidade desse sentimento, construir uma teoria que o reflita fielmente - ainda que esse fragmento da realidade, para que se torne objeto significante, precise encontrar seu lugar em um sistema cultural qualquer. Ele pode dizer, como fez Mira y López, que o amor "é, por definição, um processo complexo e contraditório que não pode ser situado nem limitado concretamente em um determinado setor conceitual".
Diante de tal complexidade, o evangelista vai sugerir uma regra de conduta moral que proteja a nossa paz de espírito e, com intenção semelhante à de um legislador, a harmonia da comunidade: é bom que o homem não toque em mulher, mas, se for para viver abrasado, é melhor que se case, escreveu o apóstolo Paulo em sua primeira carta aos coríntios.
O artista, por sua vez, argumenta Mikhail Bakhtin em O Problema do Conteúdo, do Material e da Forma, vai unir e completar intuitivamente o conteúdo que na vida eticamente vivida apresenta-se dilacerado - constante mandamento insatisfeito -, transferindo-o para um novo plano de significado e valor, para uma existência de beleza isolada e acabada, axiologicamente segura de si. Como neste famoso poema de Camões, eu diria.
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Nenhum comentário:
Postar um comentário