Héber Sales
A nossa profissão está atualmente mais para matemática do que para ciências humanas. É uma síndrome que está devastando o marketing e ameaça a publicidade também. Aliás, vocês conhecem a diferença entre um profissional de marketing e um publicitário, não é?
Um profissional de marketing é o sujeito racional o suficiente para saber que um psicopata jamais vai ser tão querido quanto um mocinho. Um publicitário é como um bom roteirista: é criativo o suficiente para imaginar a história de um serial killer psicopata encantador, com quem quase todo mundo vai se identificar (Dexter).
A miséria da maioria das faculdades de publicidade hoje em dia é ensinar marketing e negócios demais, e arte, criação e criatividade de menos. O que é preciso aprender de uma vez por todas? Que a linguagem não foi feita para revelar a verdade - e eu duvido que revele -, mas para realizar o impossível.
Fazendo arte, jogando bola
O excesso de raciocínio analítico e linear começa pelo modo como alguns (cada vez menos, sejamos justos) ainda vêem o trabalho das agências de publicidade .
Uma agência não é uma indústria ou repartição. Uma agência é uma bola rolando, uma bola chamada criação. Cada setor da agência é um dos gomos da bola (mas todos os gomos são a mesma bola, a bola da criação; todos são criativos). Imaginem.
Os gomos rolam juntos desde o começo da jogada até o fundo do gol. Uma hora, um gomo está por cima, empurrando os outros adiante; outra hora, ele está por baixo, sendo empurrado (mas logo ele pode voltar a ficar por cima e empurrar os demais novamente).
Quando o gomo do atendimento começa a rolar, os outros gomos já estão rolando também, ou seja, a bola da criação já começou a girar: as perguntas na reunião do briefing são perguntas criativas, que dão abertura a ideias fora da caixa (talvez por isso muitas agências hoje em dia levem toda a equipe para a reunião de briefing com o cliente). Idem para as perguntas que o planner faz em suas pesquisas com consumidores, análises de mercado, etc.
Quando o gomo da mídia ou da produção está por cima, impulsionando os outros, ele faz os gomos do atendimento, do planejamento e da criação rolarem outra vez e tomarem, eventualmente, uma nova direção: eles conhecem possibilidades de meios, formatos e execução que os demais gomos (ainda) desconhecem, possibilidades que abrem janelas para outras visões estratégicas e criativas.
Por isso é bom que os gomos corram todos juntos. Uma agência ou qualquer outra empresa que trabalha com criatividade não pode ser organizada como uma linha de montagem fordista. Não vai funcionar, a mágica não vai acontecer.
O que fazer se te colocarem numa linha de montagem dessas? Abra a roda e faça todo mundo começar a conversar o tempo todo. É a melhor maneira de evitar que lá pelo meio do trabalho, quando a coisa já estiver quase na produção, você descubra que precisa fazer um bocado de retrabalho se quiser colocar na rua a campanha arrebatadora pela qual o coração de todo publicitário bate mais forte (e o coração do seu cliente também).
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