Regrinha básica para uma boa leitura de ficção ou de poesia, que até alguns críticos profissionais ignoram às vezes (falta-lhes generosidade, um pouco mais de atenção, de paciência, de humildade?): o que, numa leitura superficial e apressada, pode parecer um movimento errado, grotesco ou mal bolado, talvez seja na verdade um belo golpe de imaginação, tramado para produzir um efeito de sentido necessário, inevitável até, se considerarmos a obra em seus próprios termos e propósitos - um golpe sem o qual o texto literário não vence a desconfiança e a indiferença do leitor.
Acabei de lembrar disso ao reler O Olho, conto de Myriam Campello, que um dia me desagradou por uma ou outra metáfora mais tosca. Como poderia ser diferente no entanto se o narrador, logo no primeiro parágrafo, nos avisa: "Não sou escritor, isso vê-se. [...] Se deito ao papel notícias do vendaval que no último mês desmantelou minha vida é por justamente sentir-me em pedaços"?
É natural que um sujeito desses, poeta amador e casual, apele para imagens banais e cafonas como "Se só entre nós permitimos que a espuma do amor flua e se derrame?". Como também é muito verossímil e ficcional que em outros trechos, arrebatado pelos acontecimentos excepcionais da narrativa, lhe ocorram observações mais afiadas e poéticas. Acontece quando, por exemplo, ele se refere a "um bom dia reservado que marca limites" ou quando, ao comentar um desejo muito intenso e proibido, descreve-o como uma "avalanche que se nutre do próprio excesso para melhor derrubar e engolir".
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